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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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História, Memória e Arte

Para além de um palco: o Patrimônio Imaterial da rua 24 de outubro

Foto: Pedro Augusto

Para além de um palco: o Patrimônio Imaterial da rua 24 de outubro
Não faz muito tempo, pensar sobre cultura era compreender parte do funcionamento de uma superestrutura social, desvendando os traços ideológicos de um período. Nesta época era comum separar o erudita do popular ou perceber o conceito de cultura apenas como a camada prazerosa dos feitos humanos. Porém, mudanças epistemológicas continuas trouxeram uma nova perspectiva sobre este objeto e hoje podemos concebe-lo, de forma geral, como um conjunto de significados/representações partilhados e construídos pelos homens com o proposito de explicar o mundo. Assim, ao observar este fluxo etéreo, tomamos ciência que um Patrimônio Cultural pode ser definido como um bem de natureza material ou imaterial.

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O patrimônio material é formado por um conjunto de bens classificados segundo sua condição arqueológica, paisagística, etnográfico, histórica e das artes aplicadas. Já os domínios imateriais estão relacionados aos saberes, habilidades, crenças, práticas e ao modo de ser das pessoas. Desta forma podem ser considerados bens imateriais os conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades, as manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas, lúdicas, os rituais e festas que marcam a vivência dos variados grupos e as infinitas práticas da vida.



Em Cuiabá, entre os mais importantes espaços onde estão concentradas e são reproduzidas as práticas imateriais está a Rua 24 de outubro. Até 1930 a via era chamada Senador Azeredo e só com a revolução de 24 de outubro recebeu a atual denominação. Dela saíram governadores, senadores, deputados, prefeitos, secretários de Estado, vereadores e desembargadores. Nomes como Roberto França, Júlio Campos, Jayme Campos e Antero Paes de Barros cresceram neste caminho. Junto a estes aspectos políticos, a Rua 24 de outubro carrega características com poderes agradáveis de representação. Localizada entre duas artérias de nossa cidade (as Avenidas Getúlio Vargas e Isaac Póvoas), esta área ainda é uma das únicas vias centrais onde restam antigos moradores cuiabanos e suas casas de arquitetura singular, espremidas entre lojas e salas comerciais.

Este trecho da cidade possui personalidade histórico-cultural e em tempos de “modernização” constante na busca pelo “progresso”, resguarda uma identidade que está sendo massacrada. Cercada por locais considerados essenciais para a economia e o "desenvolvimento", a Rua 24 de outubro serve como uma alegoria perfeita para a vida. O Contraste das pessoas sobre todo o concreto daquela região é gritante. As sombras dos sobreviventes permanecem como coisa fixa (mancha perpétua) nas calçadas. O diferencial é que essas sombras são preenchidas por indivíduos preciosos que discursam mensagens em favor do humano.



É preciso evidenciar as lembranças e as felicidades que estão presentes neste lugar. Todo o cotidiano vivido na Rua 24 de Outubro foi capaz de moldar as identidades individuais que, se pensadas em conjunto, possuem um poder de representação incondicional sobre parte de nossa cultura. A história da rua é algo que se impõe, indo além de qualquer comércio ou feira. Não podemos rejeitar a capacidade humana de questionar os seus próprios hábitos gerando assim modificações na sua existência. Como todos dizem, a cultura é dinâmica. Porém, é necessário o respeito às características já impregnadas nas paredes das casas e nas pessoas. Que o choque de perspectivas, em respeito à história, seja o mais suave possível. A Rua 24 de outubro não é apenas um palco para apresentações, é, sim, a raiz de muita coisa.

No Brasil, nomeamos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como o órgão responsável por promover e coordenar o processo de preservação e valorização de nossa cultural. Assim, esquecemos que os principais responsáveis por esta valorização somos nós. Como em uma paisagem, todos os traços das cenas que imaginamos são produzidos graças às camadas pertencentes às recordações individuas. Respeitando a memória podemos buscar a compreensão do homem no desenrolar do tempo. Um bom artista, antes de subir em qualquer palco, procura sempre fortalecer as bases da sua arte. Uma ciência só é verdadeira quando respeita a historicidade que lhe serve como núcleo. Com muito anseio, espero que a Rua 24 de outubro seja devidamente celebrada. Torço para que isso ocorra antes que suas características sejam perdidas por completo, pois, se chegarmos a esta fase, nem mesmo como palco ela servirá.



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