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Quinta-feira, 02 de maio de 2024

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Alcione se dedica a canções em francês lembrando repertório de quando ainda não era sambista

RIO - A ideia de André Midani, curador da série Inusitado, é recente. Mas o show apenas com canções francesas que Alcione faz nos dias 7 e 8 de abril na Cidade das Artes — abrindo o segundo ano do projeto — começou a nascer há décadas, quando a cantora ainda vivia em seu Maranhão natal:

— Em São Luís, meu pai tinha um vizinho diplomata. E ele tinha uma amiga, a Monique, a primeira francesa que vi na vida. Ela me mostrava músicas francesas, e ali começou minha relação com essas canções — lembra a cantora. — No colégio eu já tinha aula de francês, que adorava. Mas minha professora Maria Helga sempre me falava da dificuldade da gramática. “Então não vou atrás da gramática, vou atrás da música”, pensei.

A paixão pelo cancioneiro francês é antiga, portanto. Assim como a relação de Alcione com a cultura do país, que se mostra em detalhes mais prosaicos:

— São Luís foi fundada por um francês, e isso está espalhado pela ilha, no jeito de falar. Até hoje chamo roupa de dormir de robe de chambre.

Apesar da relação de longa data, não é absurdo o “inusitado” do nome da série aplicado aí. Alcione já havia gravado em francês antes, mas é a primeira vez que a cantora, que construiu a carreira sobre o samba e a música romântica, faz um show inteiro na língua de Edith Piaf — mais que isso, um espetáculo que será gravado para lançamento em CD e DVD pela Biscoito Fino.

Foi numa dessas ocasiões, num show em que ela cantava algumas canções francesas, no início da década de 1970, na boate Black Horse, que o sírio-francês Midani a viu pela primeira vez. Na época executivo da gravadora Polygram (hoje Universal), ele foi ouvir a jovem cantora por indicação de um amigo, o cineasta Jean Gabriel Albicocco.

— Um dia ele me falou que havia uma moça que cantava músicas francesas impecavelmente: “A voz é demais, porque você não dá uma olhadinha?” — conta Midani. — Fomos lá ver a Alcione. De fato, era uma moça bonita, que cantava impecavelmente em francês, com essa voz privilegiada que ela tem. Fiquei muito impressionado e falei com Menescal (na época, diretor artístico da Polygram). Ele foi ver, gostou demais, contratou, e eles decidiram que ela não gravaria esse repertório, mas algo já encaminhado para o samba moderno que ela viria a fazer. Recentemente, pensando nos artistas do “Inusitado” deste ano (veja a programação abaixo), me lembrei: “Caceta! Ninguém sabe que ela cantava em francês no início”. Convidei-a e ela adorou.

A possível estranheza surgida num primeiro olhar sobre o cruzamento entre a chanson e a Loba, entre o bleu- blanc-rouge da bandeira francesa e o verde e rosa da mangueirense Alcione, desaparece quando nos detemos mais atentamente sobre os pontos de contato entre os dois universos. Em primeiro lugar porque as canções francesas, nos anos de formação da artista, faziam parte do que se ouvia no Brasil (assim como a música italiana ou a de outros países da América Latina), antes que as rádios começassem a tocar apenas artistas estrangeiros que cantavam em inglês — movimento iniciado nos anos 1960 e intensificado nos 1970. E também porque são nítidas as semelhanças entre o romantismo derramado de Alcione e o de artistas como Charles Aznavour, Michel Legrand e Yves Montand.

— É um romantismo despudorado, o deles e o meu — define Alcione, cantando trechos de músicas e citando letras desses artistas — Você vê “Ton nom” (de Charles Aznavour) que diz “Teu nome/ Em meus lábios e meu corpo rima com os meus

O repertório inclui canções como “L’été 42”, de Michel Legrand (“É uma época muito romântica, o tempo da guerra, o verão de 1942 como o verão do primeiro amor dos dois personagens da música e do filme de mesmo nome”, comenta Alcione, que lembra que cantou essa para o autor, “no dia do aniversário dele, no Asa Branca, maior honra que tive na vida”); “Non, je ne regrette rien”, de Charles Dumont e Michel Vaucaire (“Cássia Eller gravou lindamente, minha colega não era uma qualquer”); e “Je t’aime”, de Aznavour.

— Quando ouvi a divisão de Aznavour para esse samba, pensei logo em cantá-lo. A métrica da língua francesa para o samba é difícil — conta a artista, que nunca teve a oportunidade de ver Aznavour no palco. — Teve uma época, no fim dos anos 1980, que ele cantava no Scala 1 e eu no Scala 2 na mesma hora, então eu não conseguia ir a seu show. E outra vez almoçamos juntos e de noite eu iria em seu show, mas machuquei o joelho e não pude sair. Não tenho nenhum convidado previsto para esses shows que farei, mas se fosse escolher um, seria ele. Penso grande. Aí, sim, eu o veria no palco, tête-à-tête.

O francês impecável a que Midani se refere vem do conhecimento da língua — Alcione fala francês, e chegou a morar na Europa na virada dos 1960 para os 1970, quando se aperfeiçoou. Mas ela atribui sobretudo ao ouvido musical e ao seu princípio básico como intérprete: saber o que está cantando.

— Toda vez que gostava de uma letra, pedia a alguém que falava bem francês para que me ensinasse a pronúncia exata. Qualquer dúvida eu procurava esclarecer. Tenho a noção de que preciso entender o que quer dizer exatamente a letra para que possa interpretá-la — diz, transmitindo uma lição não tão óbvia quanto parece à primeira vista.

O cenário do show terá projeções de obras de pintores franceses, como o impressionista Monet, evidenciando que ela aponta não só para a música francesa, mas para a cultura do país como um todo. Sobretudo a seu refinamento, que ela traduz com personalidade única.

— Não sei se sou refinada, mas, se não sou, eu gosto do requinte, do refinamento. E a cultura francesa é isso. Isso está num filme como “A bela da tarde”, no teatro francês, numa música com a melodia repleta de nuances, no cheiro de um perfume como um Dior, na moda de alguém como Jean-Paul Gaultier... Aliás, já levei Gaultier na Mangueira, botei para tocar tamborim — conta, rindo, deixando claro que, como diria Noel Rosa, o samba (e outras bossas da Marrom) não tem tradução no idioma francês.

A TEMPORADA DA SÉRIE INUSITADO, NA DESCRIÇÃO DE ANDRÉ MIDANI

Zélia Duncan (maio): “Ela vai interpretar Milton Nascimento, o que nunca fez, com acompanhamento de um cello”.

Anitta (junho): “Estamos tentando afinar a agenda de Anitta e a de Arnaldo Antunes, para eles fazerem algo juntos. É uma ideia de provocação minha. Ela é muito amada em determinados setores e extremamente odiada em outros. Por isso, é o tipo de pessoa de quem eu gostaria de estar mais perto” .

Kassin (julho): “Íamos fazer com Lincoln Olivetti, que infelizmente morreu. Agora Kassin está pensando em outro show”.

Lenine (agosto): “Ele tinha uma ideia que eu achava maravilhosa, mas mudou e agora está aprontando uma surpresa”.

Hamilton de Holanda (setembro): “Ele também ainda está definindo seu show”.

Cacá Eiegues (outubro): “Ele vai falar de trilhas sonoras, usando trechos dos filmes”.

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