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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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'Heroínas não precisam sempre ser esbeltas e seguras', diz quadrinista

Foto: (Foto: Arquivo pessoal)

A artista plástica Camila Torrano exibe suas ilustrações

A artista plástica Camila Torrano exibe suas ilustrações

A artista plástica Camila Torrano, que mora em São Paulo e preferiu não falar a idade, quer que meninas de próximas gerações não precisem se contentar com poucas personagens para se identificar. "Identificação e exemplos são essenciais no desenvolvimento de uma pessoa. Que não exista só a Tempestade [personagem de X-Men] para uma garota negra se espelhar, ou que uma mulher gorda possa ser protagonista da própria história", exemplifica.

"Supergirl" ganhou sua primeira série e "Mulher-Maravilha" vai aparecer pela primeira vez no cinema. Mas não é só isso. Há duas vilãs no aguardado "Esquadrão Suicida" e polêmicas envolvendo o sexismo no mundo dos super-heróis e super-heroínas. O G1 publica as opinões de quatro mulheres que se divertem e trabalham com esse universo.

Quando trabalhou na Ubisoft Entertainment, entre 2009 e 2010, desenvolveu parte da série "Imagine", de jogos voltados a garotas. "O estúdio de São Paulo foi responsável pelo 'Imagine Detective'. O foco não era organizar um casamento e sim viver na pele de Kirsten, uma adolescente metida a detetive que vai atrás de respostas de vários eventos misteriosos que acontecem na sua vida e na escola. Foi bem interessante ver até onde é possível propor o novo e desafiar estereótipos", conta a artista.

"Heroínas não precisam sempre ser esbeltas e seguras de si", opina. "Na minha infância, só havia princesas Disney, e eu nunca fui a criatura mais delicada ou dócil do parquinho. O príncipe encantado era legal, mas casamento não fazia o menor sentido se você poderia ser uma sereia e viver debaixo d'agua! Em quadrinhos, o mais próximo que me senti representada era com os X-Men ou as obras da CLAMP, que tinham aventura. Hoje me sinto mais atraída pelo universo da Miss Marvel do que antes, e imagino quão legal deva ser para uma garotinha (independentemente de sua origem) ler algo assim."

Terror e Morte

Camila é fascinada por entender o fenômeno da morte e pelo mistério que o gênero terror provoca. "'Turma da Mônica' era legal, mas os monstros eram muito fofos. Meus pais me proibiam de ver filmes de terror quando mais nova, e achei na literatura o que precisava: desde Edgar Allan Poe, até Stella Carr e a coleção Vagalume", diz.

Ironicamente, os pais de Camila nunca a proibiram de jogar DOOM e Heretic, "games cheio de vísceras,
monstros e sangue". Por causa da série de jogos Silent Hill, que "usa horror e morte como simbologias de aspectos profundos e nada agradáveis da psique humana", ela descobriu como interesse a imagem da enfermeira. Frequentou por um tempo o Museu de Anatomia da USP e começou a basear suas ilustrações na anatomia humana, juntando o repulsivo ao belo.

O material que chegava até ela, em sua grande maioria, não interessava: "Justamente por só ter homens musculosos". "X-men" veio para mudar isso. "Com Jean Grey e Tempestade, acabei me interessando. Mas no fim das contas, sempre foram os mangás que mais me cativaram. 'CLAMP', 'Cavaleiros do Zodíaco', 'Dragon Ball', entre outros."

"Só há uma mulher na história, e ela não é heroína. Ela tem a característica 'damsel in distress' [donzela em perigo], e isto foi adotado conscientemente. Não havia tempo hábil em desenvolver melhor todos os personagens, independente do gênero. O modo de contar e desenhar a história dentro do prazo foi adotar clichês que o leitor conhece, ou seja, eu não precisaria explicar muito e pude focar no mistério do mar", diz sobre o livro. No seu próximo trabalho, Camila conta que há poucos homens e a protagonista é uma senhora de mais de 70 anos.

Cara e coragem

Ainda são poucas as criadoras na área de quadrinhos brasileiros, mas Camila diz que "em breve esse abismo diminuirá". Cada vez mais vejo garotas criando seus próprios fanzines, tirinhas regulares e buscando espaço de divulgação. É só olhar o trabalho essencial que o Lady's Comics faz. Aos poucos vamos criando mais coragem, encontrando apoio e público. O apoio das mulheres para as mulheres é muito importante, pois haverá gente contra isto, sempre utilizando argumentos estúpidos. As mulheres se fazem cada vez mais presentes no mercado e lutam por reconhecimento pelo bom trabalho, e isto só tende a crescer", diz.

Camila diz que vê cada vez mais meninas interessadas nesse universo por conta da internet, que expandiu e possibilitou maior acesso e visibilidade para uma audiência até então isolada. "Elas talvez falem menos do que eles a respeito disto pelo tratamento imbecil que por vezes a gente testemunha. Sejam por cantadas inapropriadas, até a verificação exaustiva do quanto você conhece a respeito de um personagem. Fiz uma tirinha que tira sarro disso, a Carteirinha Gamer. Nela, trato do ambiente dos games, mas vale para quadrinhos também", conta.

"Somos uma sociedade capitalista, então a demanda por representatividade nos quadrinhos ficou bem mais evidente a partir do momento em que mulheres e outros grupos excluídos alcançaram maior liberdade econômica e foram vistos como mercado em potencial. Termos mais leitoras influencia a vontade delas de se tornarem criadoras dentro do meio de quadrinhos. Logo, isto reflete na indústria. Já está refletindo, e testemunhamos as novidades a cada ano, é muito empolgante."




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