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Cidade Viva: Nos muros da Cidade Verde, a história é contada à tinta

Da Redação - Isabela Mercuri

Poucos sabem, mas as artes visuais em Cuiabá começaram pelas mãos de duas mulheres: Inês Correa da Costa e Dalva de Barros. Na década de 30, apenas sete anos após a Semana de Arte Moderna em São Paulo, o modernismo já chegava à capital mato-grossense pelas mãos da cuiabana, irmã de Fernando Correa da Costa, que havia morado no Rio e trabalhado com Cândido Portinari.

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As informações foram passadas pelo artista plástico Jonas Barros, que na última terça-feira (5) participou do encontro ‘Retratos de Cuiabá’, evento em comemoração aos 297 anos da cidade, que uniu palestras de um historiador, um jornalista, uma arquiteta e um artista plástico.

Jonas contou a história da relação entre a arte e a cidade, reveladas nas pinturas que embelezam as ruas da capital. Para isso, começou explicando a origem que aqui, diferente de outros centros, se deu com duas mulheres.

Dalva foi, por exemplo, a responsável pelo Ateliê Livre, instalado no Palácio da Instrução, berço de grandes artistas da nova geração como Nilson Pimenta, Amaro Dias, Gervane de Paula, Adir Sodré, Regina Pena e outros.

Na mesma época, mas um pouco mais afastado do centro, foi criada na Universidade Federal de Mato Grosso o Museu de Arte e Cultura Popular. Para isso, o reitor da época convidou Aline Figueiredo e Humberto Espíndola, que moravam em Campo Grande, que desenvolveram o projeto e buscavam abrir as portas para novos artistas.


Muro da Funcultur - Artista Plastico Benedito Nunes (Foto: Reprodução)

Os espaços, no entanto, ainda eram escassos. E a produção não parava: “Na ditadura militar, no Brasil todo houve diversos manifestos, e aqui não foi diferente. (...) Os artistas vão pra rua e começam a ocupar os espaços no final dos anos 70, e um dos espaços a ser ocupados é a recém-inaugurada rodoviária”, explicou Jonas.

Assim, como uma alternativa à falta de espaços voltados à arte, os artistas cuiabanos levaram suas obras para perto do público. Com o tempo, isso ganhou volume e chamou a atenção do poder público e da iniciativa privada, que passaram a incentivar esse tipo de ação. “A Dalva, por exemplo, utiliza a vitrine de uma loja de tecidos pra expor suas obras porque não tinha espaço”, conta Jonas.

Das vitrines eles passaram para os muros de órgãos públicos, universidades, e até mesmo para os ônibus da cidade. Um dos grandes projetos sempre lembrados na história da capital foi o Van Gogh, que transformou o muro de arrimo da Avenida Miguel Sutil em uma grande exposição, em 1989:


Viaduto com as obras (Foto: Reprodução)


“Nos anos 90 eu tive a ideia de convencer uma empresa, gráfica Atalaia, a patrocinar a pintura dos três viadutos. Como eram três eu escolhi as cores primárias, o da rodoviária de vermelho, o da Avenida do CPA de amarelo e o da Fernando Correa de Azul”, conta Jonas. “Em seguida os artistas vendo todo aquele espaço começam a ocupar as laterais e os pilares, uma coisa natural”.

Pintar nas ruas era, além de uma oportunidade de levar a obra para o público, um risco, já que se sabia que elas iriam se degradas e, um dia, teriam que ser restauradas. No entanto, os artistas escolheram fazer novas pinturas e, assim, surgiu o projeto Van Gogh 2: “Nós optamos em fazer novas pinturas pra chamar a atenção, e desta vez fizemos o muro todo. Aí já começamos a envolver outros espaços, a chamar novos artistas que não estavam na versão anterior, e isso com apoio da população”, explica o artista.


Obra de Jonas no Van Gogh 2 (Foto: Reprodução)


A efervescência da arte era tanta que os artistas nunca paravam com uma ocupação. Foi pintada a frente da Universidade Cândido Rondon, foi feito um painel no Museu de Arte e Cultura Popular, foram pintadas fachadas de prédios da Avenida do CPA, Caixas D’Água dos bairros até o momento em que pinturas estáticas já não eram suficientes.



Pintura na faixada do Hotel Taiamã, já coberta por publicidade (Foto: Reprodução)


Em 2001, então, foi realizado o projeto ‘Arte em Trânsito’. Nele, Humberto Espíndola, João Sebastião, Gervane de Paula, Adir Sodré e Jonas Barros foram convidados para pintar, cada um, cinco ônibus que ficariam em circulação pela capital. “Foi um projeto inédito que chamou atenção no Brasil, porque em outros centros eles ocupavam alguns veículos de transporte com adesivos, e aqui foi pintado direto no ônibus mesmo”, conta Jonas.

Algum tempo depois, até mesmo a Feira do Porto se tornou uma galeria com a exposição Grande Olhar 2 (a primeira foi a da rodoviária, nos anos 70). Desta vez, até mesmo artistas do interior do estado participaram e tiveram a oportunidade de levar os painéis também para suas cidades.

Novamente, o tempo degradou o que foi pintado. E aos poucos a publicidade foi tomando conta dos muros que antes transpiravam tinta. Obras que estavam de pé, estão sendo demolidas. E a esperança vai se dissipando. “Infelizmente nós artistas estamos passando por um momento muito difícil. Eu comparo sabe quando você está no mar, e você está avistando a praia, aí você pula do barco, que começou a afundar, e você não alcança, e não tem nem mais o barco e nem a praia? É nesse momento que nós artistas de Mato Grosso nos encontramos”, lamenta Jonas.


Obra de Babu78. Nova geração luta para reocupar as ruas (Foto: Reprodução)


Para além da falta de atenção com as obras, ele também se queixa da falta de atenção com os artistas que fizeram história nessa cidade, como é o caso de Inês, que pouco é lembrada. Para as obras que ainda restam, o que se pede é respeito.
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