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Notícias / Artes Cênicas

Comandada por Robert Battle, a companhia americana volta ao Rio com um trabalho ainda mais vigoroso

O Globo

Sentado no sofá de sua sala, no quarto andar do prédio envidraçado da Alvin Ailey American Dance Theater, Robert Battle balança as mãos no ar.

— Hoje de manhã eu estava ouvindo Haydn e comecei a ver uma coreografia. Eu não fazia isso há um tempo. Sentado no metrô e... (intensifica os movimentos). Está começando, estou me coçando para fazer alguma coisa.

O problema é que Robert Battle já tem muita coisa para fazer. Em sua segunda temporada como diretor artístico da companhia — que radicalizou a dança moderna nos Estados Unidos ao ser criada para expressar a cultura afro-americana, em 1958, e hoje é uma das mais populares do mundo —, ele não tem tido tempo nem cabeça para coreografar. Battle começa por estes dias a ensaiar o novo espetáculo da Alvin Ailey, com estreia marcada para dezembro em Nova York, como tem sido religiosamente todos os anos (ele só adianta que cinco das peças serão novas, nenhuma inédita dele). E se prepara para levar a temporada 2012-2013 ao Brasil e à Argentina em setembro (no Rio, as apresentações acontecerão entre os dias 11 e 15, na Cidade das Artes). São dois programas com sete coreografias ao todo, entre elas duas antigas de Battle, uma de Jiri Kylián e uma de Alvin Ailey, a lendária “Revelations”, que encerra as celebrações do grupo ao som de spirituals desde que foi mostrada pela primeira vez, em 1960.

Tradição é um conceito importante na Alvin Ailey American Dance Theater. A portaria do edifício de oito pavimentos — o maior todo dedicado à dança em Nova York e onde, além das duas companhias, funcionam uma escola de dança e cursos de extensão, com 75 aulas por semana — é decorada com portentosos retratos do fundador do grupo, de sua sucessora, Judith Jamison, e de Robert Battle, que a substituiu em 2011. O atual diretor artístico, hoje com 40 anos, não chegou a conhecer Ailey, que morreu um ano antes de ele se mudar para Nova York, em 1990. Mas o menino recém-chegado de Miami para estudar na Juilliard School logo se encantou por Judith, que espiava dando aulas na antiga sede da Alvin Ailey, não muito longe do prédio onde agora estamos, na Rua 55, construído em 2005 com US$ 54 milhões captados basicamente na iniciativa privada. Quando era bailarino da Parsons Dance, entre 1994 e 2001, Battle teve duas coreografias encenadas pela Ailey II, o segundo braço da companhia. Em 2003, Judith o convidou a elaborar um trabalho para o elenco principal. No ano seguinte também.

— Foi assim que nossa relação se desenvolveu. Um dia, ela me perguntou se eu estaria interessado em assumir o seu lugar. Quando penso que, aos 17 anos, eu ligava para minha mãe só para contar que havia visto a Judith Jamison, e que anos depois ela me escolheu para liderar a companhia depois dela e de Alvin Ailey, é realmente impressionante. E inspirador. Há momentos em que ando por esse edifício ou vejo um banner com meu nome e penso: “Uau, o que aconteceu?” — confessa Battle, que tocava sua própria companhia, a hoje extinta Battleworks, desde 2002, quando foi convidado para o cargo. — Judith estava pronta para parar. Ela entrou na Alvin Ailey em 1965, saiu depois de muitos anos para fazer carreira na Broadway, abriu a própria companhia, voltou para substituir Ailey antes de sua morte e ficou nesse lugar por 21 anos. Também acho que Judith viu novas possibilidades em mim e quis ter certeza de que elas aconteceriam.

Desde que chegou, Battle — que também criou um laboratório de coreógrafos no qual a cada ano quatro eleitos desenvolvem um trabalho sob a supervisão de um conselheiro artístico — vem introduzindo novos trabalhos no repertório da companhia. É o caso de quatro coreografias que serão mostradas no Brasil: “Petite mort”, de Jiri Kylián; “Minus 16”, de Ohad Naharin; “From before”, de Garth Fagan; e “Strange humors”, feita por ele próprio num hotel na Suíça, durante uma temporada da Parsons Dance nos anos 1990. “Takademe”, outra coreografia de sua autoria que selecionou para a temporada, já tinha sido adquirida e dançada pela Alvin Ailey.

— Essa eu fiz na sala do apartamento de um amigo no Queens, em 1996. Por isso ela ocupa pouco espaço do palco: estávamos, meu amigo e eu, num lugar muito pequeno, sequer pensando que a dança sairia dali. É bem a minha história — conta Battle.

Sua história também se cruza com a de “Revelations”. Ele nunca esqueceu a primeira vez que viu a obra-prima da companhia:

— Tinha uns 12 anos. Fomos um bando de jovens num ônibus amarelo em Miami, e lembro de ter sido golpeado por aquele trabalho, que representava muito do meu crescimento. Minha mãe, que era professora de inglês e atriz de um grupo com foco nos poetas negros chamado Os Afro-Americanos, tocava piano na igreja e praticava bastante em casa, então eu conhecia spirituals. Quando vi aquela coreografia, eu me conectei imediatamente.

Os 30 bailarinos da companhia participam do já clássico grand finale — cinco deles foram contratados na gestão de Battle, nas famosas (e disputadas) audições anuais da Alvin Ailey. O público reage com fervor, como se viu em junho, no Lincoln Center, em Nova York, nas últimas apresentações antes das datas no Brasil.

— A recepção sempre emocionada aos trabalhos da companhia é um reflexo do próprio Ailey e do seu espírito. Um espírito muito aberto, que vem pelas suas coreografias, especialmente em “Revelations”, e no seu legado como um todo. A companhia começou no tempo do movimento pelos direitos civis, e Ailey e seus bailarinos tinham algo para comunicar. Isso permaneceu no sangue da companhia. Podemos estar dizendo coisas diferentes, mas elas ainda vêm desse lugar de querer se conectar com a audiência e falar de uma coisa que está lá dentro. As pessoas têm uma relação com a companhia não só como espectadoras, e isso está na cultura afro-americana: sempre soubemos que precisamos uns dos outros — diz o diretor, que já dançou duas vezes com a Parsons Dance no Brasil e chegou a fazer uma viagem de barco na Amazônia. — Estou curioso para ver a reação da plateia brasileira.


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