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Notícias / Artes visuais

Leon Ferrari, papa da arte anticlerical

Estadão

Não é exagero afirmar que o artista argentino Leon Ferrari, que morreu ontem, 25, em Buenos Aires, aos 92 anos, após prolongada luta contra o câncer, foi uma espécie Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), que retratou o Papa como o Anticristo. Ou um Albrecht Dürer (1471-1528) contemporâneo. A exemplo do anticlerical renascentista alemão, cujo espírito humanista o levou a explorar todas as áreas do conhecimento e abraçar o luteranismo, Ferrari ficou conhecido pelos escândalos que sua obra provocou, sendo o mais lembrado o bate-boca com o atual Papa Francisco, quando ainda era Jorge Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, em 2004. Na época, a Igreja argentina condenou uma exposição retrospectiva de Ferrari no Centro Cultural Recoleta, considerada blasfema pelo atual Papa, que definiu a mostra como "um desrespeito aos valores religiosos e morais dos argentinos".

Na exposição estavam, entre outras obras, a do Cristo crucificado sobre um bombardeiro norte-americano (A Civilização Ocidental e Cristã, 1965), quando os EUA enviaram tropas para sustentar o governo do Vietnã do Sul. Além dele, Ferrari expôs Virgens em garrafas de vidro e uma collage da cantora Madonna nua diante do papa João Paulo II, além de embalagens de preservativos com a imagem do Sumo Pontífice. Ferrari não deixou o futuro papa Francisco sem resposta, justificando o ataque anticlerical pelos "delitos cometidos pela Igreja na Argentina e em outras partes". Em tempo: Ferrari teve um de seus três filhos, Ariel, sequestrado pela ditadura militar.

Partindo da Argentina com a família, ele desembarcou em São Paulo em 1976 e aqui viveu por 14 anos, até 1991, deixando, ao partir, duas netas, Florencia, que é diretora editorial da Cosac Naify, e a arquiteta Anna. Era um homem reservado, quase tímido, silencioso, que em nada lembrava o estrondoso barulho que sua arte provoca em toda parte - e ele expôs nos principais museus e mostras internacionais, da Bienal de Veneza, onde ganhou o Leão de Ouro em 2007, ao Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), onde dividiu espaço com trabalhos de Mira Schendel, na exposição Tangled Alphabets (2009).
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