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'Pãodemia': Fermentação natural ganha adeptos na quarentena e ajuda com ansiedade e saúde

Da Redação - Isabela Mercuri

O Brasil já chegou ao sexto mês desde o primeiro caso confirmado do novo coronavírus (Covid-19) no país e, desde então, uma parcela da população iniciou uma ‘quarentena’, isolando-se em casa para evitar a contaminação. Neste meio tempo, diversos novos hábitos apareceram, e dentre eles um que ‘pipocou’ nas redes sociais foi o da fermentação natural. Testando a paciência, ansiedade e ajudando na digestão dos novos adeptos, esta “pãodemia” também ganhou fãs em Mato Grosso.

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Uma destas novas amantes dos pães feitos com levain (nome dado ao fermento natural que é feito com farinha, água e paciência) é a jornalista Thalita Araujo, 35, moradora de Campo Verde. Ela, que sempre gostou de cozinhar, achava – antes deste período – que fazer este tipo de pão era algo muito difícil, mas decidiu se desafiar.

“Um dia, nesta pandemia, uma amiga me mandou uma receita chamada Pão 10 Dobras, de fermentação comum, e me incentivou a fazer. Eu achei que era demais para mim, porque era um pão cascudo, bonito, daqueles que a gente vê em vitrine de boas padarias e eu imaginava que seria algo de outro mundo fazer”, contou ao Olhar Conceito.

Convencida, no entanto, ela decidiu fazer e se surpreendeu com o resultado. O próximo passo veio por meio das redes sociais, onde ela conheceu a fermentação natural. “Assim como outrora, também fiquei achando que seria um passo muito grande, que seria muito difícil... Mas tentei e mais uma vez descobri que a vontade faz as coisas acontecerem. Consegui fazer meu levain de primeira com ajuda de um vídeo do youtube e desde então ele tem trabalhado bastante”, brinca.

Em distanciamento social desde o final de março e trabalhando com o levain desde maio, Thalita tem usado deste artifício para estar mais próxima de quem está fisicamente distante, levando alguns pães de presente por ‘delivery’. O novo hobby, segundo ela, também ajudou-a pessoalmente a passar pela quarentena. “Eu sou uma pessoa impaciente, detesto esperar. E o que o pão de fermentação natural mais demanda da gente? Esperar. Então penso que, além de me dar pães deliciosos e muito mais saudáveis pro meu dia a dia, esse hobby me traz oportunidade de aprender a ter paciência, a esperar, a compreender o tempo de cada coisa. Assim devemos aprender o tempo de permanecer em casa, permanecer distanciados e esperar tudo isso passar. Estamos todos passando por um longo período de maturação com essa pandemia”, afirma.

Além de aguardar o tempo do pão, para ela um grande desafio tem sido o de lidar com as expectativas. “O pão é assim: a gente faz a nossa parte e ele faz a parte dele. Nenhum sai igualzinho ao outro. Às vezes fica incrível. Outro dia faço tudo exatamente igual e não fica tão bom assim. Não controlo tudo, apenas conduzo, dou o melhor que posso e espero. E sempre dá um frio na barriga por não saber como será o resultado final”. Seu resultado preferido até hoje foi o de um pão francês.

Para além dos benefícios para a mente, o corpo também sentiu. Desde que começou a comer os pães de fermentação natural, ela conta que perdeu peso, já que eles tem melhor digestibilidade, transformações nas cadeias de glúten e redução do índice glicêmico.

Bem estar

Este bem estar também foi sentido pela produtora cultural e ilustradora Fernanda Solon, 28. Moradora de Cuiabá, ela recebeu um conselho da nutricionista para trocar os pães comuns pelos de fermentação natural, para que diminuísse a sensação de queimação no estômago e refluxo. E deu certo.

Fernanda, que também já gostava de cozinhar, nunca tinha feito pão, nem mesmo os de fermento biológico, antes da pandemia. “Eu sempre gostei de cozinhar, mas todas as minhas receitas são envoltas de um ritual, que vai desde preparar o ambiente, colocar uma música, preparar algo para beber e fazer todo o processo sem pressa. Por conta disso minhas receitas ficavam mais para os fins de semana, feriados (quando eu tinha) ou para ocasiões mais especiais, como cozinhar com os amigos ou ainda quando eu conseguia criar algum tempo para mim”, conta.

Após o conselho da nutricionista e uma conversa com um amigo, ela decidiu se aventurar no levain. Ao contrário de Thalita, no entanto, sua primeira tentativa não deu certo. “Fazer o fermento natural requer paciência e tempo. Tempo eu tinha de sobra, estava faltando mesmo a paciência! E foi um puta exercício. A primeira receita que eu fiz do levain não vingou, ele ficou todo molenga e esquisito. Resolvi fazer o segundo, mas com esse agi com um pouco mais de serenidade e ele segue lindo até hoje”, comemora.

Desde que a receita deu certo, ela começou a fazer diversos tipos de pães, e isso se tornou um hobby. “Fazer pães me aterrou um pouco mais, me ajudou a ver e sentir o tempo das coisas, o fermento não vai ficar pronto antes porque você quer, ele tem o tempo dele, os pães tem muitas horas para fermentar e você precisa esperar. Ou seja, mudar a instantaneidade do tempo que vivemos hoje com certeza é o maior aprendizado que um simples pão natural me trouxe”, explica.

Para ela, a receita que mais trouxe satisfação foi a da pizza. “Foram muitas horas de fermentação, era um processo diferente dos que eu estava acostumada com os pães, então tinha medo de ficar dura e dar errado, mas foi a melhor pizza que eu comi na vida e foi minha! E a segunda receita bem comemorada foi a do cinnamon rolls”.

Pizza de fermentação natural (Foto: Fernanda Solon)

Agora, ela acredita que o hobby continuará mesmo depois que acabar a quarentena (talvez fique apenas restrito à nova rotina que vier). A partir do levain, no entanto, ela decidiu fazer diversas novas opções na cozinha. “Há um tempo eu já venho repensando meu consumo alimentar, olhando com mais cuidado para a forma com que eu me alimento, então fazer meu próprio fermento, meu próprio pão, minha própria bebida (com a kombucha) me permitiu perceber a quantidade de ultraprocessados podemos tirar do nosso cotidiano, com substituições simples e baratas”, finaliza.
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