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Motivo de curiosidade, "misterioso" espaço cultural instalado na Miguel Sutil está prestes a completar 40 anos: conheça a Galeria do Pádua

Da Redação - Pedro Coutinho Bertolini

No meio da maior avenida da capital, a Miguel Sutil, um prédio imponente, com certo ar de mistério e que tem em sua entrada a figura esculpida da deusa grega Atena usando um jacaré como elmo, esconde uma galeria grandiosa em seu interior. Com certeza você já passou por ali e se perguntou: o que tem aí dentro? Desconhecida por muitos, a “Galeria do Pádua”,  possui uma capela em seu jardim, paredes com figuras esculpidas, um teatro com capacidade para trezentas pessoas em seu interior e obras de arte espalhadas por todo lado.

Ela é parte de longo processo criativo de seu proprietário, o multifacetado artista e escultor, Antonio de Pádua Nobre. O local que hoje abriga as esculturas de Nobre, nasceu em 1982, inicialmente na Avenida Getúlio Vargas. Em 1993, o artista e proprietário começou uma nova jornada do zero e, aos poucos, foi dando vida ao prédio que tem história que se confunde com a trajetória do seu artista e que já foi palco de exposições, shows, encontros, vendas e, curiosamente, até um velório. 

Agora localizada no Bairro Duque de Caxias, com as portas abertas para a avenida, a galeria funciona normalmente em horário comercial e continua despertando curiosidade daqueles que passam por ali.

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Logo na entrada que dá acesso ao quintal, o visitante se depara com a figura gigante da deusa grega Atena, que simboliza a sabedoria. Além da imponência da escultura, por seu tamanho, chama atenção também que a deusa usa um jacaré em sua cabeça como elmo.

“Ai eu coloquei aqui em cima o jacaré, e ela passa a se chamar Ema. A deusa da arte e sabedoria, mas o nome dela é Ema e o símbolo é o jacaré regionalizado”, disse Pádua.
 

A deusa abre o caminho para o universo construído pelo artista. No jardim da galeria, é onde Pádua executa suas criações. Entre árvores que sombreiam todo o terreno, há esculturas sendo feitas, outras para restauração e, encostada no muro onde termina o terreno, há uma pequena capela onde o escultor guarda, restaura e expõe imagens sacras.



Na entrada pela avenida, o visitante se depara com uma porta imensa que se abre para o interior do espaço. De um lado, há um grande guerreiro que anuncia boas vindas àqueles que chegam ali pela primeira vez.

Há também uma mulher cumprimentando o sol, representando a vida. Aos olhares mais curiosos, por baixo do vestido da figura feminina, há esculpido os órgãos genitais masculino.



Dentro do salão principal que tem o pé direito muito alto, Pádua deixa exposto grande parte do seu acervo, que contém mais de quatrocentas criações. Um anjo pendurado no telhado observa e cuida do local.

A mãe do artista também está ali, esculpida segurando uma cesta de peixes ao lado da escadaria de acesso aos demais andares da galeria.

“Essa aqui é minha mãe. Eu peguei uma foto antiga, e coloquei os peixes. Isso aqui é feito de argila e barro. Uma espécie de matriarca da galeria”.



Na parede que divide o salão e o jardim, há a figura imensa de uma mulher que carrega a história da construção. Nobre não sabe exatamente de onde ela surgiu, mas sabe que a mulher procurava um ventre quente e úmido, como o de Afrodite, para instalar ali, um novo império.

A figura foi esculpida na parede da construção. Junto a ela, segundo Pádua explicou, há tentáculos que representam os espermatozoides que fecundarão para virar divindades, nascendo ali um novo complexo do olimpo, onde os deuses podem se instalar em Mato Grosso. “Essa história foi construída no momento da construção da galeria”.

Além das esculturas que representam figuras humanas e divinas, também há criações com formatos abstratos e objetos gerais como cadeiras, mesas e decorações.



40 anos
 
O novo império dos deuses instalados em Mato Grosso completará, neste ano, quarenta anos de existência. Sua vida se confunde com a vida de Pádua, que passa quase todos os dias da semana ali: criando, atendendo, organizando exposições, alimentando novas ideias e projetos desde que começou a levantar o lugar, em 1982.
 

“Eu comecei na Getúlio Vargas e lá era uma galeria, só que não era propriedade minha, era alugado. Depois, adquiri esse espaço e vim construindo aqui aos pouquinhos”.

Hoje o prédio chama atenção pela sua grandiosidade e ar de mistério, pois quem passa pelo seu entorno muito provavelmente não sabe o que há ali dentro. E não, ele não está abandonado. Pelo contrário, está a todo vapor, principalmente agora que completará quatro décadas, em setembro.

Para a comemoração dos anos de galeria, Pádua está organizando recuperando um acervo que contará com mais de 400 obras, entre criações originais e réplicas de antigas esculturas.

Além disso, o escultor está escrevendo um livro, “40 anos”, contando toda a trajetória do local, que se confunde com a história de sua vida enquanto artista.

Ainda incrédulo com a dimensão que o espaço tomou, Pádua disse que, às vezes, se belisca para saber se os frutos colhidos com a galeria são reais, ou, talvez, um sonho que ele vive acordado.

“Passam quarenta anos e eu acordo como se fosse um sonho, não vi nada disso passar. Não foi uma coisa laboriosa, trabalhosa, foi uma coisa legal, tranquila que fui fazendo. Estou todo dia aqui, direto”.

Pádua Nobre

Nascido de família humilde, porém recheada de artistas, Pádua não tinha condições de comprar brinquedos quando crianças e, então, usava argila para se divertir enquanto criava figuras de jacaré, boi, galinha.

Ele pontuou que toda sua vida foi voltada para arte, quando descobriu seu gosto por esse universo ainda criança. Na adolescência, ele já se interessava por museus e tudo que poderia se tornar arte.

 
Sua formação acadêmica é em teatro, pela Universidade do Rio de Janeiro. Para adentar na faculdade, teve que passar por dois vestibulares. Após se formar, quis construir sua própria obra, com suas criações e ideias.

O eixo Rio-São Paulo, para ele, era muito disputado e cheio. Pádua precisava de calmaria para se instalar. Na busca de levantar algo que fosse seu, que carregasse suas particularidades, vontades, obras e identidade, Pádua viu em Cuiabá uma oportunidade.

Ele buscava um lugar mais tranquilo e calmo para executar suas ideias e, quando chegou na capital de Mato Grosso, percebeu que era uma cidade próspera, onde a arquitetura clássica se misturava com a moderna de forma bela.

“Cuiabá era uma cidade propícia para fazer o trabalho que eu queria fazer. E aí comecei a me empolgar com a ideia de vir para cá. Não demorou muito eu cheguei”.

Na capital de MT, Pádua construiu sua vida, trajetória e patrimônio. Nascido no Ceará, ele criou carinho, apreço e gratidão por Cuiabá, cidade que lhe acolheu e propiciou desenvoltura para a execução de seus projetos.

De portas abertas

Nas longas décadas de história, a galeria de Pádua já atuou de forma fervorosa, mais dinâmica e chegou a ter trinta funcionários trabalhando em seu interior. Hoje, mais calma de movimentação, tem apenas o escultor e um colaborador trabalhando.

Mas, como um lugar tão grande, imponente, organizado, embora misterioso, recheado de histórias e obras, se manteve aberto por tanto tempo e despertando curiosaidade daqueles que passam por ali?

Pádua disse que, apesar do movimento ter “esfriado” em relação ao auge da galeria, sua clientela é cativa. “São pouquíssimos, mas existem”. Não só existem, como também perduram. Hoje, ele tem cliente que é neto dos primeiros entusiastas de suas esculturas.

Embora seja um local que abriga a história, identidade e obra de Pádua, a galeria já foi palco de diversas exposições, festas da comunidade LGBTQia+, encontros, shows de rock e, até mesmo, um velório.

Talvez por isso, o fato de ser um lugar aberto aos mais diversos públicos e programações, que a galeria carrega um ar de mistério passível das mais variadas interpretações, principalmente daqueles que nunca conhecerem a sua essência.

Por ali, Pádua já teve clientes e visitantes fervorosamente evangélicos que lhe indagavam o porquê de suas esculturas mostrarem corpos nus. De outro lado, ao mesmo tempo, entusiastas que lamentavam por ele ter esculpido pênis em pequenos tamanhos.

“Tem gente que olha a mesma obra e pergunta: por que você fez um pênis tão pequeno? Então, a coisa é tão ampla, tão grande, que a gente não tem como definir se gosta ou se não gosta”, disse.

Essa dinâmica plural de reciprocidade que envolve troca entre o que se vê e o que se expõe, para ele, é essencial àqueles artistas que se dedicam profissional e exclusivamente a arte.

Ainda que a pluralidade possa resultar em interpretações que fujam da proposta da galeria, ele ressalta que sua responsabilidade para com as criações é fator crucial para a longevidade do patrimônio que construiu e segue desenvolvendo.

“Eu lido com responsabilidade do meu trabalho que estou construindo, então a minha inspiração é essa: eu e o destino daquele trabalho. Então tenho isso, essa suposta inspiração na verdade é responsabilidade que tenho de construir alguma coisa, de fazer, de dar continuidade a esse processo”.
 
Daqui para frente


Agora, em alusão aos quarenta anos de galeria, Pádua está organizando um trabalho de grandes dimensões. O livro em processo de elaboração e a exposição em retrospectiva já estão em andamento. Porém, ainda falta finalizar o teatro, que tem capacidade para trezentas pessoas.

A ideia de Pádua é fazer com que o teatro tenha atividades permanentes, com muita frequência, principalmente para o público infantojuvenil.

Ainda com a obra em andamento, o espaço carece de pessoas e profissionais para atuar, equipamentos essenciais como poltronas, climatização, sistema acústico e elevador. Além de todo o processo administrativo para garantir segurança, conforto e acessibilidade para o público.

“Mas quero fazer coisas permanentes. O teatro começa a ficar maduro mesmo depois de um mês de apresentação. Você precisa de tempo para se aperfeiçoar”.

Por fim, Pádua pontuou que está em busca de parceiros que atuem junto com ele na execução dessas etapas administrativas e executivas, para que a Galeria possa continuar se desenvolvendo, atuando e crescendo junto à sua história e a história da arte em Mato Grosso.
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