Imprimir

Notícias / Artes Cênicas

Cuiabana protagonista de musical no eixo Rio-São Paulo fala com Olhar Conceito sobre carreira de atriz

Da Redação - Stéfanie Medeiros

O musical “Cinza”, com texto, músicas, letras, direção e direção musical de Jay Vaquer, é um passeio psicológico da personagem C. Com o rock’n’roll na trilha sonora, a produção já passou pelo Rio de Janeiro e estará no mês de abril em São Paulo. A protagonista de “Cinza” é a cuiabana Gabriella Di Grecco, que falou um pouco sobre o musical com o Olhar Conceito.

Leia mais:
André D'Lucca emociona e encanta o público ao dar vida ao trabalho do ator Liu Arruda

Nascida e criada em Cuiabá, Gabriella, 26 anos, já fez a montagem do musical Wicked como sua conclusão de curso da Tennbroadway. Nesta produção, a jovem interpretou a personagem Glinda, a “bruxa boa” de Oz. Seu segundo grande papel foi como Cinderella no musical de mesmo nome.

Gabriella contou ao Olhar Conceito que suas primeiras experiências com as artes cênicas e música aconteceram na Escola Livre Porto Cuiabá. “Foi aí que eu tive certeza que era isso que eu queria fazer da vida”, disse. Mas mesmo sabendo que queria ser atriz, a princípio Gabriella não se sentia preparada.


(Gabriella Di Grecco como Glinda em sua produção do musical "Wicked")

“Posterguei isso colocando outras coisas na frente, como música, dança, artes marciais, e eventualmente a faculdade de Publicidade em São Paulo. A vida te ensina algumas lições, e uma delas foi me permitir tentar pelo menos uma vez. Tentei e fiz o Lado Nix [websérie], que pra mim foi uma redescoberta de algo que amava fazer e que me faria imensamente feliz. Daí me preparei para a segunda etapa: terminar a faculdade e começar a estudar atuação. Foi aí que tudo começou pra valer”, contou.

Depois de terminar a faculdade de publicidade, o primeiro trabalho de Gabriella como atriz profissional foi atuar na websérie “Lado Nix”. Ao mesmo tempo, a cuiabana voltou a estudar artes cênicas fazendo Oficina de Atores (televisão e cinema) e a Teenbroadway (musicais).

Quando Gabriella terminou a montagem de Wicked, foi indicada para uma audição no Rio de Janeiro. Ela passou. “Ao ir pro Rio de Janeiro, me deparei com as adversidades da vida de ator. Viajar constantemente, viajar para estudar (como foi meu caso quando fui estudar acting em Nova York), não ter um lugar pra chamar de casa, a falta de rotina, a instabilidade finananceira, o malabarismo para manter uma relacionamento saudável com familiares, amigos e namorado devido a falta de rotina e a incompreensão sobre a vida do ator, entre outros perrengues. Houve momentos que eu ficava muito desgastada com tudo isso, mas eu estava feliz. Se eu tivesse seguido a carreira de publicidade e passasse por isso, eu não aguentaria, seria muito infeliz. Foi aí que eu descobri que realmente atuar era o que eu queria e que dava certo pra mim”, disse.


(Gabriella Di Grecco como Cinderella/ Foto: Divulgação)

Mesmo com todas as dificuldades, Gabriella continuou estudando e aperfeiçoando sua carreira de artiz. Agora, como a personagem C., Gabriella tem novos desafios. A produção, depois de passar por São Paulo, irá para vários outros estados do Brasil. Acesse o site oficial de "Cinza" clicando AQUI.

Confira abaixo a entrevista de Gabriella Di Grecco sobre o musical “Cinza”:

Olhar Conceito: Como você entrou em contato com este projeto?

Gabriella Di Grecco: Já havia feito uma audição com o Jay Vaquer e ele curtiu o meu trabalho. Esse projeto nasceu por conta de uma vontade dele (e que eu compartilho muito) de fazer algo diferente do que se vê no setor de musicais no Brasil. Então, por compartilhar essa vontade de fazer algo diferente e por já trabalhar com ele, entrei nesse projeto de forma muito natural.


(Cena do musical "Cinza"/ Foto: Ricardo Nunes)

Olhar Conceito: Como você soube que seria a protagonista do musical? Como se sentiu?

Gabriella Di Grecco: Como as coisas aconteceram de forma natural foi naturalmente que eu soube que faria a protagonista. A princípio eu não senti nada rs. Fui começar a sentir um certo peso durante o processo de preparação, no qual as pessoas, de modo geral, tratam o protagonista de modo superlativo. Pra mim, honestamente, é um personagem, que merece o carinho, atenção e dedicação como qualquer outro.

Olhar Conceito: Como você descreveria este musical para quem não conhece?

Gabriella Di Grecco: É um musical rock n’ roll cujo roteiro é um passeio psicológico da personagem C. Após um evento traumático, num furacão de excesso de informações e sentimentos, C. é arrastada para dentro do pesadelo da sua própria mente.

Nesta perturbadora viagem, C. visita de tudo o que viu e viveu, se deparando com as questões que cercam a vida humana: ódio, sexo, religião, moral, preconceito, morte, hipocrisia, poder, entre muitas outras coisas, apresentados pelos demais personagens do musical, que agem como sombras do seu próprio ego.

Cada encontro com um diferente personagem é conflituoso, pois C. se mostra justa, idealista, sonhadora. Deparar-se com um lado de si mesma que representa o completo oposto de suas qualidades faz com que C. se desconstrua, reveja e critique todos os aspectos que constroem a personalidade e as relações humanas.


(Cena do musical "Cinza"/ Foto: Ricardo Nunes)

Ao longo do caminho, C. percebe que as respostas para as suas questões não bastam e que se perdeu numa questão que não há sombra que responda: quem ela é? Nesse momento, C. nota o quão imersa ela está nesse universo. Sem mais saber o que é real e o que é irreal, C. precisa escolher se ela luta para encontrar a realidade ou se ela continua na ilusão, lutando para encontrar si mesma.
 
Olhar Conceito: O musical “Cinza” trata de temas de certa forma “pesados”. Como você encara isso? Como isto afeta sua performance?

Gabriella Di Grecco: Não acho que o musical trata de temas pesados. Trata de temas ocultos pela nossa sociedade, que abafa muita coisa com “panos quentes”. Na minha opinião, isso é o mais bonito do musical: é nos permitir questionar, rir, tocar, botar o dedo na ferida das pessoas. É fazer com que as pessoas saiam do teatro pensando no que viram e em quem elas são. E sempre que saio do teatro pra conversar com o público, vejo que eles têm sentido exatamente isso. É bonito demais.

No entanto, claro, existe um fato: não é todo mundo que está preparado para lidar com o lado negro de si mesmo e do mundo. Portanto é importante que a pessoa que vai assistir vá com olhos, ouvidos e coração abertos. Não é aquele tipo de entretenimento que você só senta vê, ouve e sai do teatro pensando no que vai jantar. O intuito é que as pessoas pensem enquanto estão assistindo e continuem refletindo ao sair do teatro. E isso tem acontecido de maneira surpreendente. Na saída do teatro, sempre converso com algumas pessoas que assistem semanalmente e cada apresentação descobrem uma coisa nova.


(Cena do musical "Cinza"/ Foto: Ricardo Nunes)


O que afeta a minha performance é me colocar no lugar da C. que é uma pessoa que sucumbiu por saber demais, e na viagem psicológica, sofrer por saber demais, por se questionar demais. Confrontar-se o tempo todo entre o que é real e o que não é. O que é a realidade? Isso mexe comigo muito profundamente e é sensacional pra viver a personagem.

Olhar Conceito: Como foi o processo de preparação para interpretar C.?

Gabriella Di Grecco: Foram alguns processos. Como é uma obra viva, ela já sofreu algumas alterações, e nelas eu acabo mudando alguma coisa na construção da personagem. Hoje eu tenho algo mais concreto construído. O processo ele foi acontecendo conforme a história foi tomando forma, consequentemente a personagem. Mas a princípio, tive que estudar muito (e ainda estudo) sobre esquizofrenia e outras doenças mentais.

Tive aulas e conversas muito interessantes com a psicóloga Magda Pearson, a psiquiatra Sara Buzak e com o psiquiatra, doutor e professor do IPUB/UFRJ Manoel Olavo Teixeira. Além de ler muito sobre o assunto, ver muitos filmes, documentários, conversar com pessoas que convivem com a doença. Você passa a entrar nesse universo. Junto a isso tem o processo de preparação de acting mesmo. Já passei por coaching de PNL, que pra mim foi sensacional, pois já gostava de um trabalho psicológico mais profundo, também apliquei algumas técnicas de quando estudei em Nova York, como Meisner, Stela Adler e Alexander. Contanto que agregue ao ator e ao personagem, acho que qualquer método é válido.

Olhar Conceito: Quais são as características que você mais gosta na sua personagem? E no musical?

Gabriella Di Grecco: Tanto a personagem quanto o musical são ricos e desafiadores artisticamente. Isso, na verdade, é o que eu mais curto. A C. me forçou muito (no melhor sentido da palavra) a me lapidar como atriz, cantora e bailarina. Por se tratar de um roteiro esquizofrênico, como atriz o Jay me levou a ter que transitar por uma explosão de sentimentos e emoções; como cantora, o Jay fez as músicas tirando o máximo da técnica e da extensão vocal (e nisso tive todo o suporte da Jane Duboc, nossa preparadora vocal); e como bailarina, a Renata Brás (diretora assistente e diretora de movimento), me fez desconstruir minha formação em dança e kung fu e construir algo inusitado.

Na peça de modo geral, o que eu mais gosto é que todos os temas que a sociedade coloca embaixo do tapete são tratados com beleza e poesia. Continua sendo um musical rock n’roll que coloca o dedo na ferida, mas acima de tudo o tratamento dado a isso é artisticamente muito belo. Isso passa pela riqueza do texto, das canções, das letras, dos personagens, do cenário, da luz, da qualidade sonora. Tudo que acontece nesse musical não é a toa, nenhuma palavra é colocada pra “encher linguiça” e cada momento é tratado com o refinamento que a arte merece ser tratada.

Outra coisa que gosto muito nesse trabalho é que existe um elenco que é heterogêneo e lindo (tanto fisicamente, quanto vocalmente), mas que se complementa muito bem. Cada pessoa ali tem características muito singulares e que dialogam muito bem com seus respectivos personagens.

O Paulinho Serra dá um tom incrível pro Jeremias, transitando pelo humor, pelo drama, pela acidez, tirando o máximo dele como ator e como cantor também! A Raquel Keller tem um physique du role e uma voz muito interessantes pra personagem Emilie Chanson e isso também é muito bem explorado. A Juliana Viana e a Maria Bia, respectivamente Gisele Chanson e Ana Belle Chanson, são pessoas opostas fisicamente e vocalmente, mas timbram muito bem em cena e em música com suas personagens, é interessante ver o desenvolvimento das duas no palco. Junto com a Raquel, elas atiçam, causam desconforto e arrancam risadas. O André Rayol (Rei Raoul II/Pai de C.) e o Bukassa Kabengele (Bóris de La Torre/Sr.Chanson)  também formam uma dupla muito interessante no palco. Também são pessoas opostas fisicamente e vocalmente, mas os dois, quando contracenam formam uma dupla instigante e muitas vezes hilária. Individualmente é muito legal ver como o trabalho deles é desenvolvido de acondo com as suas singularidades atuando e cantando.


(Cena do musical "Cinza"/ Foto: Ricardo Nunes)


O Yann Dufau (Príncipe Raoul/ Dr. Raoul Cortázar) também mostra como ator e cantor um trabalho belo e cuidadoso, a sua presença rock n’ roll contrasta com o timbre suave da voz dele de uma forma bonita e atraente. A Roberta Spindel (Mãe de C./ Nadia Grotescus/ Fada Foda), tem um timbre lindo, as músicas e os textos das suas personagens trazem uma atuação que destacam e complementam essa beleza. O Kakau Berredo (Zantsko Grotescus / Nobilis Fleaunard/ Alcibíades Blake) brilha no palco fazendo três personagens completamente diferentes. Sua presença puxa os olhos da platéia em sua direção. Ele é forte em cena. Timbra e complementa quem estiver ao lado dele. Também temos a Fernanda Mamana (Razvana Ionescus / Stand-in Emilie Chanson e Mãe de C.) e a Tainá Puentes (Laila Pitorescus / Stand-in Ana Belle Chanson e Gisele Chanson) que entraram e rapidamente se misturaram e compreenderam o musical. A presença delas em cena é enriquecedora.

E por fim, o que eu também adoro nesse trabalho é a liberdade e a possibilidade de criar e propor. O Jay é muito generoso e aberto à criação, isso faz com que a peça se lapide e evolua rapidamente. A Jane Duboc também é uma pessoa que prepara, ensina, propõe e gosta de ouvir. É muito rico trabalhar e aprender com ela. A Renata Brás é muito rápida, criativa e colaborativa. O trabalho de corpo com ela é sempre uma via de mão dupla entre ator e direção.

É um deleite estar nesse musical.
Imprimir