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Notícias / Literatura

Jornalista da TV Globo profere palestra em Cuiabá e apresenta livro para quebrar tabu do suicídio

Da Redação - Lucas Bólico

Os cuidados começam na capa. A cor é branca, a palavra “viver” é a de maior destaque e uma corda prestes a se romper ilustra o canto esquerdo. O assunto merece ser tratado com cautela, mas tem de ser abordado. E com seriedade. O suicídio tem sido por muito tempo um problema silencioso. E o trabalho do jornalista André Trigueiro é justamente no sentido de derrubar este tabu. Nesta terça-feira (20) ele profere palestra e apresenta seu livro “Viver é a melhor opção – A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo”, às 20h, no auditório da Escola Estadual Presidente Médici, em Cuiabá. O livro estará à disposição para venda, com toda renda revertida ao CVV.

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“Não é um livro de auto-ajuda”, explica o autor, em entrevista concedida ao Olhar Conceito, na tarde desta segunda-feira (19). A função do livro é informar sobre uma doença para ajudar na prevenção. A publicação revela, por exemplo, que 90% dos casos de suicídio podem ser diagnosticados e prevenidos. São apresentados também caminhos sobre como lidar com uma situação dessa e oferecer ajuda. Em um dos capítulos, é apresentada uma entrevista em formato pingue-pongue com dados objetivos sobre o suicídio. O entrevistado é o psiquiatra do Ministério da Saúde e coordenador da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, Carlos Felipe D’Oliveira, um dos maiores suicidólogos do país.

“O livro descortina duas plataformas de entendimento desse problema. Um é a patologia, diagnosticável e tratável e a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem muita informação boa sobre isso. A outra vai mais na sociologia, aquela idéia de que o homem é produto do meio, o meio influencia seus pensamentos e seus sentimentos, se o meio lhe é hostil e você tem fragilidades psíquicas e emocionais, isso não favorece”, explica o autor.

O livro também tem um capítulo sobre como deve ser o tratamento feito pelos jornalistas ao tratar de assuntos relacionados ao suicídio. “No ano passado, o tema mais procurado no Google foi o suicídio do Robin Williams, a gente não vai brigar com a notícia, a noticia foi o suicídio, a gente tem que falar”, avalia o jornalista. “Então tem a Organização Mundial da Saúde dizendo que, em sendo inevitável reportar casos de suicídio, sugerimos que se tome os seguintes cuidados, então hipoteticamente, vou destacar três. Não abrir generosos espaços, manchete, foto, primeira para episódios de suicídio. Não escrever em detalhes o método empregado e não enaltecer as qualidades morais do suicida”, declara.

A abordagem jornalística deve noticiar um caso tomando o cuidado de diluir o risco para as pessoas mais expostas ao problema. “Não esconder que é um caso de saúde publica e informar que, sim, em 90% dos casos é possível prevenir, divulgar os telefones de serviços, sites, as redes, o CVV é a mais antiga e é a que eu acompanho mais de perto, mas todo o serviço na área da saúde que tenha como oferecer ajuda, apoio, amparo e atenção para esse segmento”, completa.

Olhe a sua volta

Quem ler o livro irá também aprender a ficar mais atento aos sinais que potenciais suicidas dão. Isso é fundamental para o tratamento. “Devíamos prestar mais atenção em comportamentos de pessoas a nossa volta, sejam eles familiares, amigos, colegas de trabalho, conhecidos, quando começam a apresentar um tipo de comportamento mais anti-social, quando não quer conversar muito, fica mais encapsulado, recolhido, não interage, não parece motivado com um projeto, não dá sinais de que se sinta inserido, sem sensação de pertencimento, ou quando declara a intenção [de morrer], ainda que possa parecer de maneira inocente”.

“Por exemplo, se daqui a uma semana é o Enem e a pessoa fala ‘se eu não passar, não quero viver não’. Isso pode não ter a menor importância, pode ser uma frase de efeito, ou não. Então quem ouve uma frase dessa tem que acender um sinal amarelo e pensar assim: é bom eu checar essa informação. Deixa eu bater um papo, deixa eu perceber se devo ou não me preocupar. Isso pode vir portanto numa frase, num recado, numa carta, num email, num post no facebook, no twitter”, explica. Isso pode partir até de pessoas bem sucedidas, que aparentemente não têm motivos para querer abreviar a própria vida.

Mulheres, gays, idosos e índios

Durante a entrevista, o autor citou casos específicos de grupos que por razões mais específicas podem ser levados a essa condição. A literatura tradicional sobre o tema registra auto índice de suicídios em idosos acima de 75 anos. Mas dados atualizados da Organização Mundial da Saúde apontam para um aumento significativo em grupos que transitam entre a faixa etária de 15 a 35 anos.

Mato Grosso é uma das partes do Brasil em que você tem conflitos fundiários terríveis entre proprietários rurais e índios. O índice de suicídio entre certas comunidades indígenas é avassalador porque há uma falta de perspectiva, uma falta de relação de pertencimento. Isso porque dentro da cultura indígena, cada etnia, tem sua ‘cosmovisão’, sua forma de entender o mundo, o universo, Deus, a vida, mas normalmente eles estão muito associados à terra e perder a terra não é perder uma “propriedade”. Ela é a parte da sua cultura, é a sua auto-referência no mundo, no universo, isso também em algumas culturas é muito dramático, é uma perda importante que nem sempre é alvo de atenções”, explica.

Em relação à população idosa, foi constatado pelo autor que o Brasil  asssim como a maioria dos países do mundo não está preparada para lidar com um contingente cada vez mais numeroso de idosos. “Isso significa que você não tem cidades preparadas para oferecer conforto, lazer entretenimento e perspectivas para essa população. Ruas esburacadas, mobilidade prejudicada, sinalização inadequada, previdência em crise. Tudo isso também conspira para um ambiente que em alguns casos não é muito motivador. Situações que podem ter relação de causa e efeito direto com uma soma de fatores que pode predispor uma pessoa em situações difíceis do ponto de vida emocional e psíquico a não reagir bem”.

No caso das mulheres, o machismo também pode ser um agravante. “O que significa viver num país como o Brasil onde há uma sociedade machista e patriarcal? O livro também fala sobre o espaço das mulheres, ser mulher em alguns espaços do Brasil significa lidar com maridos ou ex-maridos, namorados ou ex-namorados, que segundo as estatísticas correspondem pela maior parte dos homicídios cometidos contra mulheres. Quem mata mulher no Brasil estatisticamente é quem tem intimidade com as vítimas. Esse ato covarde ou o dia a dia torturante, de viver com o inimigo, que esbofeteia, trai, trata como se fosse uma escrava, um bicho”.

O mesmo perfil do agressor à mulher às vezes se repete na homofobia. “Esses mesmos ‘varões’ também estigmatizam e perseguem homossexuais. Esses dois segmentos, mulheres e homossexuais, igualmente sofrem no dia a dia pressões que podem dependendo das condições várias determinar estados de desalento, desânimo desacordo com a vida, falta de motivação e eventualmente ideias suicidas”.

Espiritismo – um capítulo a parte

Tudo no livro foi muito bem pensado. Inclusive assuntos pós-morte. André Trigueiro é espírita e não tinha como falar de suicídio sem tratar da transcendência, mas o tema foi deixado para o último capítulo. “Ele está segregado, ele não está misturado com o resto do livro para quem, pela razão que for, não queria se envolver com as informações que constam do último capitulo. Se eu fosse budista, seria a visão budista, e assim seria se eu se fosse católico, mulçumano”, explica.

O livro começa com a citação de Albert Camus: ‘O suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo. Decidir se a vida merece ou não ser vivida é responder a uma pergunta fundamental da filosofia’. “Essa é uma pergunta fundamental. Então, como eu sou espírita eu procurei compartilhar para quem seja, para curioso ou para simpatizantes, uma possibilidade e é muita informação sobre o que acontece com o suicida no plano espiritual. Mas eu não poderia deixar de apresentar a questão da transcendência”.

O suicida, de acordo com o jornalista, não procura necessariamente a morte, ao contrário do que possa parecer. Ele busca uma saída para uma dor aguda. “A grande questão quando você começa a pensar se existe vida após a morte é: “ele consegue saciar essa dor?”.

Mais de 15 anos de estudo sobre o tema

André Trigueiro pesquisa o tema há 16 anos, desde quando conheceu o trabalho do Centro de Valorização da Vida, organização que ganhará os lucros da venda do livro. Ele também faz palestra para voluntários do CVV. O desta terça-feira (20), em Cuiabá, será aberto para todo público.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ onde hoje leciona a disciplina “Geopolítica Ambiental”, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor dos livros “Mundo Sustentável 2 – Novos Rumos para um Planeta em Crise" (Ed.Globo, 2012); "Mundo Sustentável - Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação" (Ed.Globo, 2005), “Espiritismo e Ecologia”(Ed.FEB, 2009) e "Viver é a Melhor Opção - A prevenção do suicídio no Brasil e no Mundo" (Ed. Correio Fraterno, 2015); Coordenador editorial e um dos autores do livro "Meio Ambiente no século XXI" (Ed.Sextante, 2003). Durante 16 anos foi âncora e repórter do Jornal das Dez da Globo News. Desde abril de 2012, vem atuando como repórter da TV Globo.

Durante 3 anos foi colunista do Jornal da Globo onde apresentou o quadro“Sustentável”, com séries especiais gravadas na China, na Alemanha, e várias partes do país. É editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News, comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.
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