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Sexta-feira, 03 de maio de 2024

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Paraquedismo com acessibilidade

Deficiente visual, cadeirante e sommelier PCD descrevem ‘liberdade’ após saltos em Chapada; veja vídeos

Foto: Reprodução

Deficiente visual, cadeirante e sommelier PCD descrevem ‘liberdade’ após saltos em Chapada; veja vídeos
A sensação de liberdade é um ponto em comum nos relatos sobre a experiência do primeiro salto de paraquedas de três PCDs de Cuiabá, no 1º Festival de Paraquedismo Acessibilidade e Inclusão, que aconteceu entre 4 e 6 de agosto, durante o Festival de Inverno, em Chapada dos Guimarães. O estudante e músico, Luys Guilherme Escobar Pinheiro, de 20 anos, a servidora pública, Rose Garcia, de 51, e Mario Marcio de Campos, de 46, participaram do evento que foi gratuito. 

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Luys é deficiente visual “praticamente desde que nasceu”, quando teve retinopatia da prematuridade, que provoca o descolamento da retina. Atualmente, o jovem é estudante do IFMT, além de ter a música e a culinária como dois de seus principais interesses. 

Quando começou a se interessar pelos instrumentos musicais, Luys tinha 10 anos. Ele conta que, algumas vezes, ouviu que não poderia ser músico por ser deficiente visual. 

“Já ouvi muito, geralmente tem essas barreiras aliadas ao capacitismo. Mas sempre disse que meu limite quem faz sou eu, assim que digo para todas as pessoas com deficiência também. Acho que dá para fazermos o que quisermos”. 
 

O estudante define a experiência de saltar de paraquedas pela primeira vez em duas palavras: incrível e maravilhoso. Ele lembra que aceitou prontamente o convite para participar do evento, mesmo que algumas pessoas tenham achado “loucura". 

“Ouvi de muitas pessoas: 'Luys, você já fez muita coisa, mas isso aí'. Respondia que era apenas mais uma das loucuras. Notamos que faltam essas iniciativas para que mais PCDs possam participar. Hoje foi paraquedas, mas poderia ser surf, mergulho, balonismo... Dá para fazer muita coisa adaptada”. 

Fora das alturas, Luys ressalta que ele e muitos amigos que são PCDs sofrem com a falta de acessibilidade básica em Cuiabá. Para ele, as pessoas com deficiência devem ser ouvidas pelo Poder Público sobre medidas para que a cidade se torne inclusiva. 

“Eu enfrento muita dificuldade em Cuiabá, os colegas que andam de ônibus me relatam muito sobre a falta de acessibilidade também. Hoje é mais seguro você andar na rua dividindo com os carros, do que estar na calçada, onde provavelmente vai ter um carro parado e eu vou ter que sair da calçada”. 

Evento aconteceu durante o Festival de Inverno, em Chapada dos Guimarães, e 15 PCDs saltaram de paraquedas de graça. (Foto: Reprodução)

A jornada de Rose após a paralisia infantil 

Rose nasceu em São Pedro da Cipa (MT) e em 1999 decidiu se mudar sozinha para Cuiabá, já que tinha o sonho de trabalhar e estudar. Hoje ela é uma das servidoras da Casa Civil, além de ter se formado em Gestão Estratégica do Setor Público e Administração. Foi por conta da paralisia infantil, que teve com um ano, que Rose se tornou cadeirante. 

No entanto, ela lembra que sempre foi aconselhada pela mãe a ter autonomia e ir em busca dos próprios sonhos. Rose conta que conhecidos ficaram surpresos com o fato da mãe ter permitido que ela se mudasse sozinha para Cuiabá, onde ela conseguiu emprego após ser aprovada em 8º lugar em um processo seletivo da antiga Brasil Telecom.  

“Sempre fui de dar o meu melhor e mostrar que eu podia fazer o que eu quisesse, minha mãe me ensinou assim. Ela dizia que não tinha me criado para ficar no rabo da saia dela. Mesmo antes de vir morar em Cuiabá, já trabalhava, cheguei a trabalhar em posto de gasolina, vendendo roupas ou fazendo bico a noite em lanchonetes”. 

Alguns meses depois da mudança para Cuiabá, Rose conheceu o ex-marido, com quem foi casada por 17 anos e teve uma filha. Durante a gestação, a servidora pública também foi vítima de falas capacitistas. 
“Um dia estava no consultório médico para fazer o pré-natal. Entrei para o atendimento e uma pessoa que estava esperando perguntou para a secretária se eu tinha sido estuprada. Para você ver o mundo que nós estamos, né? As pessoas acharem que uma pessoa com deficiência não tem vida sexual ativa”. 

Ela brinca que a filha, Maria Regina, de 17 anos, foi mais desejada que Sasha, filha da apresentadora Xuxa. Rose explica que ela e o marido passaram por todos os exames necessários antes dela engravidar. Em um domingo à noite, a servidora ouviu um padre dizer na TV que uma mulher estava grávida. Foi quando ela teve certeza que seria mãe. 

Rose teve paralisia infantil quando tinha um ano, mas é apaixonada por aventuras e sonha em dirigir uma carreta. (Foto: Reprodução)

“Naquele momento coloquei a mão no meu ventre e disse para o meu marido que estava grávida. Disse que queria voltar na casa da mãe dele para falar que eu estava grávida”. 

No dia seguinte, um exame de laboratório atestou a gravidez de Rose. A notícia chegou com o carinho dos colegas de trabalho que fez na Brasil Telecom. Ela ainda se lembra da “romaria”, na porta da sala dela, para anunciar que o teste de gravidz era positivo. 

“A Sarita, uma amiga já falecida, foi ao laboratório, pegou o resultado, que era positivo, e veio passando de porta em porta na Central chamando para todos me contarem que eu estava grávida. Quando ela chegou na minha sala, parecia uma romaria na porta, foi um momento muito lindo”. 

Por ser cadeirante, Rose notou que muitas pessoas que iam visitar a filha recém-nascida ficavam tentando descobrir qual seria a deficiência de Maria Regina. 

“Eles não entendem que a minha deficiência não é hereditária, é algo que aconteceu devido a pólio, há muitos anos. Em alguns momentos fiquei chateado porque percebia as pessoas examinando as pernas dela. Minha filha não tem nada”. 

Corajosa e decidida a realizar sonhos grandiosos, como o de se tornar mãe, Rose tinha o salto de paraquedas em sua lista de desejos radicais. A servidora ainda sonha em dirigir uma carreta em uma rodovia do Brasil. 

“Até agora ainda pego o vídeo e as fotos para ficar olhando. É uma sensação muito gostosa de liberdade, que só quem vive sabe. É inexplicável. Tem duas coisas que me fizeram muito feliz como PCD: quando ganhei meu primeiro salto e quando peguei uma cadeira de rodas novas, porque é a extensão do meu corpo, é uma companheira para me ajudar a realizar esse sonho”. 
 

Ansiedade e adrenalina no salto de Mario Marcio 

Cuiabano e pai de cinco filhos, Mario Marcio trabalhou 27 anos no Big Lar, em Várzea Grande. Ele conta que passou por vários setores do supermercado até conseguir a oportunidade de se tornar sommelier. Mario Marcio ainda lembra da mistura de sentimentos provocada pelo salto de paraquedas no festival. 

“Quando a gente salta, sente o frio na barriga, o medo vai embora e você só contempla a paisagem. Tudo é belo. Alguém até disse: ‘agora você entende porque os pássaros cantam?’ Contemplar a criação divina é maravilhoso. Fiquei maravilhado”. 

Mario Marcio deixou o emprego no Big Lar neste ano, depois de quase três décadas para investir no sonho de ter o próprio negócio. Foi no trabalho como sommelier que ele conheceu o representante comercial Newton Kehrwald, que foi um dos responsável pelo 1º Festival de Paraquedismo com Acessibilidade e Inclusão em Mato Grosso. 

“Nunca tinha saltado de paraquedas, mas já tinha pensado, só nunca apareceu a oportunidade. O Newton me fez o convite, contou sobre o projeto. Senti frio na barriga e em todas as outras partes do corpo. Até agora ainda estou sentindo a sensação, que é singular” 

Quando ainda tinha 11 anos, Mario Marcio precisou entender que tinha se tornado PCD quando sofreu um acidente de trabalho com um moedor de carne. Mesmo criança, ele conta que precisou começar a trabalhar cedo para ajudar com a renda de casa. 

“Em um dia desses, em 1989, pela manhã, coloquei a mão dentro da máquina e aconteceu o acidente. Foi muito difícil para eu entender o que tinha acontecido. Era uma criança e naquela época o pessoal colocava apelidos, fui chamado de Capitão Gancho”. 

Mario Marcio trabalhou no Big Lar, em Várzea Grande, durante 27 anos, e chegou a ser sommelier do supermercado. (Foto: Reprodução)

Festival de Paraquedismo PCD começou com sonho 

Quando saltou de paraquedas pela primeira vez em junho de 2018, no Lago do Manso, em Chapada dos Guimarães, Newton descobriu o amor adormecido pelo paraquedismo, que logo se transformou em hobby. Depois de alguns anos, Newton começou a se questionar sobre a falta de inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiências, como cadeirantes e cegos, no mundo dos esportes radicais. 

A Associação Brasileira de Paraquedismo foi responsável pela organização do festival. Durante os dias de evento, o presidente da entidade, Rômulo dos Santos, também esteve em Chapada dos Guimarães para acompanhar os saltos. 

Newton ressalta que o objetivo foi proporcionar a mesma sensação de liberdade, que o emocionou logo no primeiro salto, para pessoas com deficiências físicas.

"Quero agradecer que deu certo e todo o apoio para que o paraquedismo com inclusão de PCDs aconteça em Chapada dos Guimarães. Foi feito um sorteio pela internet, pelo Governo de Mato Grosso, e os selecionados passaram por uma triagem com profissionais de paraquedismo para viabilizar o salto. É a primeira inclusão de paraquedismo em Mato Grosso". 
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