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Domingo, 12 de maio de 2024

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Paçoca de pilão do Ary: cuiabano aprendeu a fazer prato na juventude e mantém tradição viva

Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto

Paçoca de pilão do Ary: cuiabano aprendeu a fazer prato na juventude e mantém tradição viva
Em 1986, o olhar do cuiabano Ary Paes Barreto Filho, no auge dos 20 e poucos anos, se encantou pelo modo de fazer a paçoca de pilão enquanto observava a mãe de um amigo usar a força dos braços para socar a carne contra a madeira. Algum tempo depois, já na década de 90, movido pela lembrança do sabor da receita pantaneira, Ary decidiu repetir os movimentos da mãe do amigo, que hoje é seu compadre. 


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“Fiquei com isso [da paçoca de pilão] na cabeça e, de vez em quando, ia pescar para o lado de Poconé, sempre passava e comprava, até que decidi que iria fazer”.

Atualmente com 54 anos, são quase duas décadas fazendo paçoca de pilão. O portão da casa em que ele mora com a esposa e a filha, no número 2092 da avenida Marechal Deodoro, no bairro Goiabeiras, em Cuiabá, ganhou um aviso de que ali é possível encontrar a mistura de carne seca e farinha. 

“Comecei fazendo no pilão, às vezes ficava salgado, depois quando eu salgava menos, a carne estragava, então até acertar isso é complicado. Hoje em dia, não, é de boa, já sei a quantidade de sal, até o tipo de sal”, diz Ary antes de completar que os anos de experiência renderam paladar apurado, capaz de identificar a diferença entre as marcas de sal. 

Até dois anos atrás, o cuiabano cansava os braços socando carne seca e farinha no pilão de madeira, algo que fazia como hobby. O resultado era sempre servido para a família ou cuidadosamente embalado em “matulas” para amigos. Com o tempo, a receita de Ary ganhou os corações dos mais próximos, que começaram a encomendar para presentear outras pessoas queridas.

 “Quando comecei a fazer para vender, foi porque a turma começou a querer muito e não dava mais para fazer no pilão”. 

Secadora onde a carne salgada fica exposta ao sol antes de Ary mantear, picar e fritar os cortes. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

A demanda ficou maior do que a força para socar tantos quilos de carne seca no pilão de madeira, Ary decidiu facilitar o processo com um triturador para conseguir atender todos os clientes. “Vi que ‘ia virar’, comecei a fazer feirinhas. Chegava lá com dez potinhos, saía rapidão, tinha que ir embora porque o produto acabava, não ia vencer ficar fazendo no pilão”. 

Na semana passada, por exemplo, Ary precisou produzir 2,5 kg de paçoca de pilão que viajaram para Brasília (DF) e Londrina (PR). Ele conta que é comum que pessoas de fora façam encomendas para levar de presente. 

“Para viagem pedem mais quantidade, então coloco em embalagens plásticas, que são mais fáceis de condicionar. Tenho um pote maior de 500ml também. Hoje tenho que ter código de barra, valor nutricional, tudo certinho, porque os potinhos vão para revenda. Entrego em três barracas na Feira do Porto, ligam pedindo mais e eu tenho que correr para atender. ”. 

A diferença do ritmo de produção é significativa. “No caso, eu fazia no pilão, mas enquanto faço um pote de 500ml no pilão, eu faço cinco no processador, entendeu? É muito cansativo, você põe a carne ali depois de frita e tem que ficar batendo”. 

O quilo da paçoca de pilão de Ary é vendido por R$ 130, mas o valor é justificado pelo processo trabalhoso. Todos os dias ele se dedica a produção ou a alguma etapa dela, seja para mantear ou picar a carne que usa na receita. 

“Hoje encomendei carne, vou pegar amanhã cedo, aí eu salgo e ela passa o dia inteiro. Na hora que o sol acaba, no final da tarde, eu viro e ela fica no sereno. Lá pelas 11h do outro dia ela tá pronta, mas isso quando tá esse ‘sol de brigadeiro’, quando tá nublado, demora mais”.

Mesmo tendo modernizado a etapa de triturar a carne, o modo de fazer continua sendo caseiro e totalmente feito pelas mãos do cuiabano. “Em mercado, às vezes, é carne comum e vira uma farofa. Não tem a tradição de secar a carne, mantear, salgar, picar e depois processar. Eles pegam a carne e fazem uma farofa”. 

Para os tropeiros que atravessavam as fazendas do Pantanal com as boiadas, a paçoca de pilão era um dos principais alimentos, como conta Ary. “Levavam a paçoca de pilão ‘no lombo’ mesmo, dentro de uma sacola amarrada. Às vezes até chegar onde vai ser o almoço ou a janta, eles abrem e comem com a mão mesmo para seguir viagem”. 

A fama da paçoca de pilão de Ary se espalhou pelos arredores da avenida Marechal Deodoro, onde mora há 15 anos. O cearense João, dono da Sapataria Renovar, a poucos metros da casa, aconselha: “ali no mercado tem ‘uma bananinha no ponto’ para comer com essa farofa”, antes de revelar ser “doido” pela receita do vizinho cuiabano. 

Além dos clientes fiéis, Ary também ganha um tanto de outros novos que passam pela avenida e são atraídos pelo banner no portão. “Tenho uma cliente que o filho dela malha, tem que comer proteína, o guri é apaixonado na paçoca, ela compra quatro, cinco potes por semana. Já falei para ela: cara, seu menino não enjoa?”. 

Paçoca de pilão começou como hobby na vida de Ary, mas se transformou em fonte de renda. (Foto: Bruna Barbosa/Olhar Direto)

Paixão pela cozinha 

Caçula entre os três irmãos, o cuiabano enterrou o pai quando tinha oito anos e, por isso, sempre dividiu a mesma casa com a mãe. Foi assim até se casar. A companhia com a matriarca da família lhe rendeu a paixão pela cozinha, já que costumava ficar em volta da mãe enquanto ela preparava os pratos do dia. 

Na memória, ela guarda duas comidas com carinho: o frango ensopado com mandioca e a torta de pão com creme de cebola. Mesmo que a irmã tenha prometido procurar a segunda receita para que Ary reproduzisse, ele decreta: “igual não vai ficar”. 

“Era daquelas tortas de camadas de pão, ela fazia com queijo e presunto. No final do ano estava na confraternização com minha irmã, ela disse que ia procurar a receita em casa para eu tentar. Igual não vai ficar, porque né… Ela faleceu, mas com certeza foi importante, foi uma motivação, porque era só eu e ela”. 

Na casa da avenida Marechal Deodoro, é Ary o responsável pelo cardápio diário. Como a esposa e a filha são apaixonadas por farofa, ele brinca que todos os dias precisa misturar algo com farinha para servir para a família. A de pão torrado segue sendo a preferida da dupla. 

Em uma bancada no canto da cozinha, a carne seca descansa em duas etapas diferentes do processo: triturada e já misturada com farinha. “De um hobby virou um trabalho, queira ou não queira, tiro uma graninha. Mexo com isso quase todo dia, sempre tem encomenda”, diz Ary enquanto enche um pote de paçoca de pilão que entrega de presente para a reportagem do Olhar Conceito, como ele fazia com suas pessoas queridas.
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