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Segunda-feira, 09 de setembro de 2024

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50 anos de história

Tradicional em Cuiabá, Choppão foi de mineiro e japoneses antes de irmãos de SP: ‘viemos buscar novos horizontes’

Foto: Arquivo pessoal

Tradicional em Cuiabá, Choppão foi de mineiro e japoneses antes de irmãos de SP: ‘viemos buscar novos horizontes’
Até se tornar o que é hoje, o Choppão passou por algumas mãos antes de chegar aos irmãos Fernando Quaresma, de 66 anos, e Mário Luiz de Andrade, que faleceu em 2018. O restaurante que se tornou tradicional entre os cuiabanos, já foi do mineiro Geraldo Barbosa e, depois, de dois irmãos japoneses que deixaram o país para tentar criar gado em Mato Grosso. Com cinco décadas de história, Fernando brinca que já atende bisnetos de clientes fiéis, atravessando gerações de uma mesma família. 


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“Já estamos atendendo até a quarta geração de clientes, chegando na quinta. Vieram os bisavós e agora já está vindo no carrinho o bisneto”. O proprietário lembra que, durante a juventude, abria e fechava o bar, assistindo a movimentação do caixa, algo que também lhe rendeu memórias engraçadas das noites. 

Como a vez em que um homem brincou que processaria o restaurante por ter gastado com bebida no local, mas recuperado a sobriedade assim que se tomou o escaldado cuiabano. “Lembro que no meio da madrugada começou a dizer que queria indenização do Choppão, porque gastou, tipo mil reais, para ficar bêbado e agora com R$ 30 estou são, porque o escaldado recupera”, conta em meio a gargalhadas. 

“São muitas histórias”, suspira, saudoso, o proprietário do Choppão. 

Ao lado do irmão, Fernando deixou São Paulo em busca de “novos horizontes” até chegar em Cuiabá, onde a dupla se tornou parte da história do bar que foi palco de saraus, celebrações familiares e virou parada obrigatória para turistas. 

“Em 1986 a gente saiu de São Paulo para buscar novos horizontes, eu com 23 anos e ele com 27, apareceu o Choppão que estava em uma fase meio ruim, fase baixa, a frequência na praça estava um pouco pesada, tinha toda uma coisa acontecendo, o movimento migratório transformando a cidade. Foi aí que surgiu a oportunidade da gente comprar o Choppão. Éramos muito novos, foi uma aventura mesmo”. 

Média de vida de restaurantes é de quatro anos  

De acordo com levantamento da Abrasel divulgado em 2023, a média de vida de um restaurante, à época, era de três anos, com expectativa de chegar a quatro anos e quatro meses de sobrevida. Completando 50 anos de funcionamento, o Choppão contraria as expectativas do setor. 



“Dá para imaginar, nesses 50 anos, além de toda a modificação que o mundo e o Brasil tiveram, Cuiabá teve uma transformação maior ainda. Imagina a Cuiabá de 1974, com o início do fluxo imigratório, com o garimpo, a Amazônia sendo ocupada. Vivemos em 50 anos revoluções tecnológicas, sociais, políticas, de comportamento, passamos por uma pandemia”. 

“Também vivemos grandes momentos aqui, porque aqui sempre foi um local de comemoração das Copas do Mundo, das vitórias eleitorais”, continua ao lembrar dos momentos em que dezenas de cuiabanos se reuniram na praça em frente ao Choppão. 

Fernando tem 38 anos no comando do restaurante e, por isso, conta que se sente como um “curador do Choppão, não um proprietário”. Ele se orgulha de manter as principais características do local, como as portas abertas para quem quiser entrar, algo que destaca como parte do ambiente que abraça a diversidade. 

“O Choppão tem um espírito democrático, mas acho que esse espírito democrático não é do Choppão, ele reflete esse espírito democrático de Cuiabá. O Choppão é um restaurante que não tem portas. Você pode vir para uma comemoração da família, você vai sentar em uma mesa para uma reunião de trabalho com personalidades e do lado vai ter um pessoal que acabou de sair de uma pelada de futebol”. 

Outro motivo de orgulho para Fernando é não ter se “dobrado a modismos” quando o assunto é a identidade do bar. Até hoje, a fachada mantém as pinturas de Adir Sodré e o proprietário ainda se lembra do dia que parou no semáforo da avenida Getúlio Vargas perto do Choppão e viu a arte sendo criada. 

“O Adir Sodré era muito amigo da casa, teve a ideia de pintar, pintou e ficou lindo. Lembro que a gente não tinha nem os toldos, não ocupava a calçada e o Choppão era pintado de verde claro”, conta. 

“Estava chegando, parei naquele semáforo e olhei o Choppão… Na época eu frequentava o Los Pueblos, que era um bar alternativo, olhei para o Choppão e pensei: ‘o Choppão vai virar um bar de bicho grilo’. Eu e meu irmão sempre fomos assim, se tiver que virar um bar de bicho grilo, vai virar um bar de bicho grilo”, brinca Fernando. 

Por conta da comemoração de 50 anos, as pinturas de Adir Sodré foram restauradas recentemente. O proprietário lembra que, em vida, o próprio pintor ficava responsável pelas restaurações na fachada. Algumas vezes, reunia amigos artistas, ligava caixas de som e fazia o serviço ao longo do mês. 

“Não mudamos os desenhos. Nesse arco mesmo ele nem mexeu, até tem uma coisa interessante, está vendo esses anjinhos, essa viola de cocho sem cordas? Isso aqui foi a última coisa que ele fez aqui, na Copa de 2014, se você olhar aqui, passaram várias fases do Adir, que não fez os olhos do anjo e as cordas, deixamos do jeito que está, isso é a obra inacabada do Adir”. 

Pratos da boa lembrança 

Ao longo dos 50 anos, o cardápio do Choppão passou por reformulações, mas ainda mantém uma sessão com os pratos saudosos que ganharam o coração dos clientes. “Se, por um acaso, você veio aqui para comer um deles, você pode pedir que vai sair”, adianta Fernando. Desde a inauguração, em 1974, o restaurante já teve vários sucessos, da culinária internacional à regional. 



“Em 1974 tinha uma ligação muito grande com a cozinha internacional, não é que a cozinha local era desprezada, mas ela ficava dentro das casas. Então, ninguém saía de casa para comer comida regional, tinha isso da culinária internacional. O próprio estrogonofe, que hoje é uma coisa muito popular, era um prato chique, o parmegiana também. Quando inaugurou ainda tinha alguma coisa até de frutos do mar, foi bem diversificado”. 

A Maria Isabel e as ventrechas, pratos tradicionais para os cuiabanos, entraram no cardápio recentemente por conta do apelo turístico do Choppão. Fernando conta que a equipe da cozinha é animada e não desanima em criar novos atrativos para o cardápio. Outro item que entrou recentemente na lista foram os hambúrgueres, mas o proprietário explica que queria “algo raiz”. 

“Levamos dois meses para fazer os hambúrgueres, escolher o pão e tudo mais. Colocamos no nosso cardápio, que também não é nenhum case de marketing, coloquei ‘burger com X’, que é uma coisa muito antiga. Não sei se você já passou por isso, eu falo que sou um dinossauro, já fui extinto na gastronomia, mas você já foi em uma hamburgueria e até você achar um X-bacon você passa por nomes de rua, de banda… Aqui é o raiz mesmo”. 

Escaldado atravessa gerações 

Assim como a clientela do Choppão, o escaldado cuiabano servido diariamente no bar também atravessa gerações de famílias e coleciona histórias. Como a vez em que Fernando decidiu comprar uma panela nova para substituir a antiga, algo que gerou uma espécie de “lenda urbana” sobre o prato ter que ser feito apenas em panelas “experientes”, mas que depois ele entendeu ser “física pura”. 

“Logo quando assumimos aqui tinham lá as panelas, que são de 50 litros, temos as de 30 litros também, mas a panela principal, que começa o dia, é uma panela enorme. Ela começou a ter microfuros, uma das panelas, porque eram várias, decidimos comprar uma panela nova para aposentar aquela, mas o escaldado não saía com o mesmo resultado”. 

“Tivemos que remendar a panela velha e começar a trabalhar uma ao lado da outra, para misturar e a outra pegar o jeito. Depois fui ler que isso é física pura, justamente o fogo em contato com o ferro… Mas era tão impressionante, porque o escaldado ficava coalhado, não pegava o ponto. Quer dizer, uma coisa absurda. O fogo, a calibragem do fogo, o fogão, a panela, a escumadeira, a mão, o jeito que mexe… Tudo interfere”, explica. 

Por conta do acontecimento, hoje o Choppão tem uma “equipe de panelas”. “Tem a panela que descansa uma semana enquanto as outras estão trabalhando, justamente para não corrermos o risco de ser surpreendidos com todas as panelas envelhecerem, é um cuidado que temos”. 

Para Fernando, as cinco décadas de história já tornaram o Choppão “maior que o Choppão”. Por isso, ele está planejando uma comemoração na praça em frente ao restaurante, com direito a exposição de fotos para mostrar as transformações da cidade. O proprietário conta que, quando viaja para congressos do setor, colegas de profissão se surpreendem com a história do bar que atravessa gerações. 

“Imagina, estava em um congresso de donos de restaurantes que costumo ir pelo menos a cada dois anos, conheci donos de restaurantes na minha faixa de idade. Quando falei para eles que aqui em Cuiabá tinha um ônibus escrito ‘Via Choppão’, que tinham placas de indicações nas ruas da cidade, escrito Choppão para indicar a região, achavam que era história. O Choppão é maior que o Choppão”. 
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