Quando decidiu se matricular no crossfit, a cuiabana Fernanda Dotto, de 33 anos, buscava uma atividade física que conseguisse praticar com constância para deixar o sedentarismo e perder peso. A jornada que começou em 2014 já dura uma década e foi responsável por uma mudança profunda na vida de Fernanda, que deixou de trabalhar como engenheira para se dedicar à vida de atleta. Hoje ela disputa espaço em pódios nacionais e internacionais.
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Na época, ela já era aluna do treinador que a acompanha até hoje, Arthur Zanca. Há dez anos, quando começou as primeiras aulas, a academia CrossZanca ficava na garagem da casa de Arthur. Além de ter mudado de profissão graças ao crossfit, Fernanda também se tornou sócia do treinador no box que hoje funciona na avenida Ipiranga, no bairro Cidade Alta, em Cuiabá.
“Entrei no crossfit com dois amigos, que já treinavam com o Zanca na garagem da casa dele, com esse objetivo mesmo de emagrecer, pesava 107 kg, então meu principal objetivo era esse. A única atividade que fiz foi natação quando era bem pequena. Mas antes de ir para o crossfit, não tinha feito nada”.
Apesar de ser uma atividade física de alta intensidade, Fernanda se apaixonou logo na primeira aula e nem esperou a terminar a semana experimental para fazer o pagamento da mensalidade. Ela lembra que a proposta dos treinos e do desafio de superar a si mesma foram os diferenciais do crossfit.
“Depois de um ano já tinha emagrecido 40 kg, eu ia todos os dias treinar, não perdia nenhum treino, já cheguei de ir treinar no sábado e só estar eu e o Zanca. A parte da dificuldade é ter paciência com o processo, porque a maior parte dos movimentos exigem, além de força, condicionamento motor, entender o processo dos movimentos, e isso leva tempo. Então, se você é paciente e se você quer se dedicar a aprender, você faz, mas com essas duas coisas caminhando junto: paciência e dedicação”.
Quando ouve que o crossfit é apenas para quem quer participar de competições, Fernanda é obrigada a discordar, já que a maior parte dos alunos são como ela quando decidiu deixar o sedentarismo e praticar um exercício físico. Ela explica que, mesmo com movimentos que podem ser desafiadores, há um processo de adaptação que é respeitado nos treinos.
“São pessoas que querem qualidade de vida e saúde, a construção do movimento é gradativo. Se existe um movimento complexo na aula, seria para quem já tem mais tempo ou facilidade, o treinador vai adaptar o movimento para sua realidade. Você vai treinar como todo mundo, mas dentro da sua realidade. Geralmente, essa adaptação é feita com educativo para chegar naquele movimento complexo, você vai fazendo do mais fácil até chegar nele. [O crossfit] para qualquer pessoa, digamos assim”.
Mesmo sendo uma mulher gorda quando entrou no crossfit, Fernanda ainda se lembra de ter encontrado um espaço acolhedor que lhe proporcionou o incentivo que precisava para continuar.
“Acho que a gente tem que respeitar a individualidade de cada um e o mais bacana da atividade física, é que ela propõe saúde. Então, se uma pessoa está buscando saúde, independente do momento que ela esteja, ela tem que ser acolhida em qualquer ambiente. Se você está disposto a treinar e está disposto a estar junto com a nossa metodologia, você vai ser acolhido da melhor forma para conquistar, é assim que a gente propõe nossos treinos”.
Atualmente, além de sócia da CrossZanca, Dotto também é responsável por preparar os treinos que são aplicados nas aulas. “O treino de sala é para quem é atleta da vida, para quem trabalha 12 horas por dia, tem filhos ou empresas e ainda tenta arranjar uma por dia para cuidar da saúde, às vezes não é só o ‘shape’, é saúde mental também, além de performar o físico”.
Jornada de atleta
Até dois anos atrás, Fernanda ainda dividia os compromissos profissionais com as horas de treino e, antes de cursar Educação Física, trabalhava como engenheira. Por conta disso, ela passou por um processo de aceitação para se ver como atleta. Para Dotto, ser atleta é uma profissão e, portanto, o crossfit não poderia ser encarado como um hobby.
As primeiras competições serviram apenas como uma forma da cuiabana aplicar o que aprendia nos treinos. Na primeira delas, em 2015, o treinador integrou a equipe que foi competir no Rio de Janeiro (RJ). Quando voltou, Fernanda teve uma conversa com Zanca e dividiu o desejo de se dedicar de maneira mais intensa.
“Nessa época, ainda fazia as aulas de sala e a gente fazia alguns treinos antes de ir para o Rio de Janeiro, para a competição, tanto que nessa época desbloqueei double under, acreditando que teria na competição, chegamos lá com isso afiado e não teve. Mas foi muito bom. Daí em diante, resolvi que iria treinar para competir, falei com o Zanca, ele me perguntou se eu tinha certeza e eu disse que queria, que tinha sido muito bom”.
Entre 2015 e 2016, os treinos passaram a ser “mais fortes”, apesar dela ainda ser uma das alunas de sala. “Demorou um tempo para eu entender que o que eu fazia também era um estilo de vida de atleta, eu abria mão de tudo para conseguir encaixar tudo e performar. No começo foi como uma diversão, a gente sempre se cobrava para que fosse divertido”.
Há cinco anos, Dotto passou por uma virada de chave e começou a pensar em se dedicar integralmente à rotina de atleta. Desde 2019, ela integra o Top 5 do Brasil. No ano passado, ela conquistou o lugar mais alto no pódio do Torneio CrossFit Brasil (TCB). Atualmente, Fernanda se dedica ao crossfit e, dependendo do período, pode ter três sessões de treino por dia.
Divido as horas do dia para organizar as sessões de treino, são duas sessões pelo menos, que é o meu normal e, dependendo do período são três, então posso variar de sessões entre duas e três horas, mas pode chegar a seis dependendo do período.
Ela brinca que, diferente do que costumam pensar, não possui uma dieta restritiva e “não passa fome”. Quando conta que come doce de leite todos os dias, por exemplo, ela recebe olhares de surpresa. O consumo de álcool, no entanto, está entre as renúncias que Fernanda precisou fazer.
“Eu escolhi não beber, antes eu bebia, mas para performance o álcool prejudica bastante. Tudo é encaixável dentro da minha dieta, desde que esteja distribuído entre a quantidade energética e qualidade de alimentação. Não tenho restrição, só que eu como o que preciso para os treinos”.
Cenário internacional
No ano passado, Fernanda chegou à semifinal individual das classificatórias para o campeonato mundial, o CrossFit Games. De 40 atletas que participaram, ela terminou em quarto lugar. No entanto, eram apenas quatro vagas para a disputa, que é considerada como a mais importante do esporte.
Ainda em 2023, Fernanda terminou em 4º lugar no CrossFit Copa Sur. Em 2022, ela ficou em 1º lugar no Argentina ThrowDown, feito que lhe rendeu uma vaga para ir ao Wodapalooza, nos Estados Unidos, neste ano, onde a cuiabana lembra de ter tido uma “experiência surreal”.
“É onde a gente consegue disputar ao lado de atletas Games, que são atletas de referência do campeonato mundial. Essa entrada no cenário internacional foi muito importante e pretendo repetir no próximo ano também”.
Agora, a principal meta de Dotto é conseguir uma das vagas para o CrossFit Games. No entanto, a cuiabana já se considera no lugar mais alto do pódio quando lembra que o crossfit lhe proporcionou mais que uma mudança de vida.
“Nessa trajetória consegui me encontrar fazendo o que eu amo, hoje me sinto realizada, sabe aquela sensação de que você se arrepia com o que faz? É assim que me sinto”.
