Olhar Conceito

Quarta-feira, 01 de maio de 2024

Notícias | Cinema

plot twist

ELA: A primeira verdadeira história de amor da nova geração e as mutações nas relações pessoais

11 Fev 2014 - 10:00

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

Filme

Filme "Ela"

Reflexos do período em que se situam, comédias românticas apegam-se ao dia a dia do cidadão comum e suas dificuldades em relacionar-se, para cativar o público. É através dos conflitos e das discussões que floresce uma relação. Oriundo da Screwball Comedy americana dos anos 30 - gênero que surgiu durante a Grande Depressão e tinha como característica principal personagens da vida comum e suas peripécias cômicas que acabavam fazendo surgir uma relação entre o casal de protagonistas - o gênero se reinventa com o passar dos anos por sua equivalência com a realidade e o uso de clichês e maneirismos característicos que cativam o público.

Leia também: Álbum de Família: A desconstrução da família e o ano de transição no cinema americano
Ninfomaníaca: A utilização do sexo como mero atrativo comercial e a desconstrução da sexualidade da mulher


  
(“O Galante Mr.Deeds – 1936” “Ninotchka – 1939” “Do Mundo nada se leva – 1938”)

Trabalhos como “O Galante Mr. Deeds”; “Do mundo nada se leva” de Frank Capra e “Ninotchka” de Ernst Lubistch, abriram portas para as histórias que hoje faturam bilhões nas bilheterias. Produtos de um gênero inteiramente comercial, comédias românticas americanas só passaram a ter outras conotações além da simples diversão em meados dos anos 90, e apesar de obras como “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” e ”Bonequinha de Luxo” trazerem outras reflexões ao gênero, os filmes americanos diferiam de seus equivalentes europeus, muito mais voltados para o lado artístico da técnica cinematográfica do que no grosso de sua bilheteria, e muito mais confortáveis produzindo adaptações literárias consagradas na época.

“Uma Linda Mulher” de Gary Marshall considerada por muitos a obra mais consagrada do gênero e “Procura-se Amy” do então jovem Kevin Smith moldaram as grandes comédias românticas que surgiram nos anos 90. Montando de forma mais complexas os paralelos sociais costumeiros nas tramas, as comédias desta década aprenderam com os grandes romances e os filmes ágeis dos anos 80 e aprofundaram suas reflexões sobre as relações pessoais e apresentaram as dúvidas da nova geração. No filme de Smith, dois amigos percorrem a cidade atrás de uma jovem que conheceram em uma noitada. Representação clara dos novos costumes da geração noventista, conquistou a crítica e o público e influenciou diversas obras que se seguiram, como “Embriagados de Amor” de Paul Thomas Anderson, com seu fator cômico calcado nos dramas e inseguranças de seus personagens principais.

  
(“Uma linda mulher – 1990”, “Procura-se Amy – 1997” , “Embriagados de Amor – 2002”)

Extremamente rentável e difundida, a comédia romântica ganhou espaço nas séries televisivas e nas novelas, assim como gerou um mercado de adaptações literárias, criando um nicho rentável que manteve fluente a produção de material novo a cada ano, mas a qualidade deste material é extremamente variável. Com diversos remakes de grandes comédias dos anos 50 e 60 e novos roteiros calcados nas antigas fórmulas da Screwball Comedy e no padrão dos anos 90, prevalece na comédia romântica atual seu aspecto cômico ante a sua reafirmação de valores sobre as relações sociais.

Buscando uma análise mais profunda da relação interpessoal atual, Spike Jonze - diretor de “Adaptação” e “Quero ser John Malkovich”, filmes calcados em sua exploração da mente humana e de como ela se comporta em relação ao social -, traz em sua nova obra “Ela”, um estudo sobre as definições de amor para a geração do virtual. O filme que estreia esta sexta feira (14) no Brasil é muito mais drama e romance que qualquer uma das comédias citadas acima. Seu fator cômico está na estranheza das situações criadas pela trama, e a naturalidade como associamos os detalhes modernos da vida dos personagens, e esta associação com o período em que se situa, e o teor cômico que sua naturalidade evoca pendem muito mais para as comédias românticas - e flerta também com a ficção cientifica - do que para os dramas e romances épicos.

 

Num futuro tão próximo que mais parece o presente, um escritor de cartas de amor luta para superar sua recente separação quando adquire um novo sistema operacional em seu computador que simula uma consciência e aprende a cada nova experiência. Cada vez mais apegado a sua nova “amiga”, não demora para que o protagonista inicie uma relação não tão estranha quanto parece. Assim como no nosso presente, as pessoas de “Ela” desenvolveram uma relação de necessidade e afeto com seus eletrônicos e estão sempre olhando para seus computadores portáteis ou falando sozinhas nas avenidas. As vastas e futurísticas avenidas de Xangai, na China definem a fotografia pálida e pontuam o tumultuado, porém solitário mundo das grandes metrópoles.

É neste cenário, entre os eletrônicos avançados e as costumeiras discussões e separações das relações humanas que cresce o afeto do protagonista e sua máquina. É colocado em pauta às novas maneiras de amar e suas diversas definições, e tenta através de diálogos inteligentes e bem humorados pontuar os novos parâmetros da relação moderna. Entre os diálogos divertidos e as silenciosas e tocantes cenas recheadas de afeto e emoção representados pela fotografia e pela consistente atuação de Joaquin Phoenix e Scarlet Johansson, “Ela” surge como a primeira história de amor que realmente conversa com os novos parâmetros da relação social atual. Demonstrando a constante mutação nas relações e no conviver em sociedade, na maneira de lidarmos com o trabalho e inclusive ao nosso conceito de “amor”, o filme eleva as comédias românticas – ou o drama romântico, se preferir – a um lugar entre os dois gêneros, entre as obras de qualidade.

 

Talvez estranho aos olhos comuns, “Ela” pode não agradar ao público como agradara a crítica. Vencedor do Globo de Ouro® de Melhor Roteiro, escolhido como “Filme do Ano” pelo Australian Film Institute e vencedor de mais outros 15 prêmios em diversos festivais nas categorias: “Melhor Roteiro”, “Melhor Roteiro Original”, “Melhor Filme” e “Realização Cinematográfica do Ano” além de angariar indicações ao Oscar®, o roteiro escrito pelo próprio Spike Jonze e sua franqueza em lidar com a fragilidade emocional humana atual é querido pela indústria do cinema, mas tem futuro incerto nos cinemas. Depois de apaixonar a crítica e conquistar seu espaço na história do cinema, “Ela” precisa agora, conquistar também o espectador.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.
Entre em nossa comunidade do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui

Comentários no Facebook

Sitevip Internet