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O Homem que virou lata: O homem arma e a arma de fogo no cinema

11 Mar 2014 - 11:20

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

O Homem que virou lata:  O homem arma e a arma de fogo no cinema
Em poucos minutos uma arma surge na tela. Antes de ser pressionado, a presença do gatilho na cena representa um futuro iminente; o lançar de projeteis vai começar a qualquer momento. Coadjuvante no cinema desde seus primórdios, a arma de fogo é elemento presente em comédias, dramas, até mesmo animações infantis. Habituados a sua presença, alternamos entre seu símbolo de violência para seu símbolo de proteção, ou perigo, mas aceitamos seu controverso papel na cultura da humanidade.

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Das pistolas empunhadas pelos bandidos em “O grande roubo do Trem” de 1903, tiroteios no deserto como os de “Onde começa o inferno” de 1959 e os filmes de espionagem de James Bond e sua paixão por sua pistola Walter PPK. 38 em “007 Contra o Satânico Dr. No” de 1962, as armas de fogo só viriam a ser protagonistas e gerar para si um gênero próprio apenas no inicio dos anos 70 nos Estados Unidos com o surgimento dos filmes de ação, que tem seu ápice nos final dos anos 80 e que hoje mistura características dos filmes de aventura e os filmes policiais para dar continuidade ao gênero numa época onde as armas não são mais tão queridas.

Sob a sombra das caixas de munição, grandes rifles e muitos músculos, o gênero que se iniciara sutilmente no inicio dos anos setenta apenas com um papel mais essencial na trama às armas de fogo, ganha seus galãs, frases de efeito, clichês e maneirismos típicos no fim dos anos 80 onde o advento do Home Vídeo contribui para o surgimento de produções de baixo orçamento e sua disseminação em vídeo locadoras. Do sutil “Sob o domínio do Medo” de Sam Peckinpah em 1971, onde a arma de fogo representa o símbolo máximo de poder masculino e gerou controvérsias por seu conteúdo violento e realista, para os protagonistas preocupados com sua força física para suportar armas maiores, o gênero desenvolveu uma desvalorização da vida e do papel da arma do fogo dentro da sociedade.

         
                                       (“Sob o Domínio do Medo” “Onde Começa o Inferno” “Rambo I” “Braddock”)

Produto de uma era otimista no governo americano durante a presidência de Reagan, os filmes de ação e sua falta de peso ideológico, crítica social e repletos de humor e sarcasmo, ganham uma crítica mascarada de comédia satírica com o filme do diretor Paul Verhoeven em 1987, “Robocop”. Recheado com a violência o sexo típicos do gênero, o filme de Verhoeven funde homem e arma em um único ser, símbolo máximo da justiça e protetor do bom cidadão americano, a máquina que executa com precisão e senso de humor cruel, luta com a consciência do policial que a empunha, Alex Murphy, aleijado em combate e fundido com metal que busca vingança pela destruição de sua família.

Com cenas extremamente violentas e pontos altos de humor e crítica social, “Robocop” e seus exageros, tanto no roteiro quanto em montagem e execução, funciona perfeitamente na época em que se situa, e apesar de fazer mais sucesso no exterior do que dentro de casa, ajuda a consolidar a franquia e perpetua-se no público americano por seu alto nível de violência e humor.

 

Readaptado este ano por José Padilha, diretor conhecido por seus trabalhos em “Ônibus 174” e a série de filmes “Tropa de Elite”, “Robocop” veste o preto da força tática policial e abandona o humor para dar lugar a uma análise das consequências do homem máquina. Preocupado em pontuar todos os pontos de vista e desdobramentos de tal avanço nas políticas de segurança, o diretor brasileiro abandona o humor e estilização da violência e do sexo, marcas de Verhoeven, e preocupa-se em trabalhar o humano dentro da máquina, mas não como ele se vê, mas como o mundo o situa na sociedade.

A ação, comedida e veloz, funciona de forma precisa e pouco emociona ou diverte, o humano dentro da lata parece mais robótico que seu equivalente de 87, muito mais limitado em movimento, mas repleto de personalidade. Dirigindo muito bem o elenco, que conta com atuações consistentes de Gary Oldman, Michael Keaton e Jackie Earle Haley, e utilizando-se dos recursos provenientes da produção de alto custo norte americana, Padilha entrega um produto de qualidade técnica e precisão de estética e ritmo comprovando ao cinema americano que é capaz de cumprir as exigências do cinema, mas talvez não do mercado.

 

Sua crítica muito mais pontual e clara que a de seu predecessor, quando livre de seu alívio cômico habitual, ganha um gosto amargo e didático de lição de moral a ser dada. Integrando detalhes de seus trabalhos anteriores, e acostumado a criticar sem evocar soluções de seus espectadores, Padilha falha com o público americano, o que explica sua morna recepção nas bilheterias e na crítica especializada, mas não perde seu brilho como realização de um diretor brasileiro no exterior e não esquece suas origens.

A visão de Padilha sobre a arma humana é brasileira em sua origem. Mesmo após seu protagonista receber a aceitação do público ao efetuar uma prisão, o diretor e o roteiro do estreante Joshua Zetumer fazem questão de demonstrar o quão manipulado um oficial público pode ser. Utilizando-se da palavra “Sistema” e “Programação” longe de seus significados tecnológicos, Zetumer e Padilha retomam a crítica do homem comandado para executar, e critica novamente a posição do policial na linha de frente.

 

Apesar da qualidade técnica e das críticas bem executadas, o resultado final de Padilha carece de características que o perpetuem como uma obra de peso. Também produto de sua era, “Robocop” foge de seu propósito inicial de divertir ao criticar e perde-se ao tentar sair do gênero que o caracteriza buscando uma sobriedade que destoa dos absurdos da trama, e não entregar uma solução às questões levantadas durante sua duração. Mais preocupado em levantar as questões do que respondê-las, Padilha entrega um filme sem propósitos e sem pontos de vista para se firmar. Um bom filme, mas nada além disso, “Robocop” deixa claro que talvez não fosse a hora do policial do futuro vestir a roupa preta.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.
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