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Domingo, 28 de abril de 2024

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O último clássico teen

Arquivo Pessoal

Fofocas nos corredores, burburinho sobre o mais recente acontecimento, olhares estranhos e de canto que revelam desprezo, julgamento e prepotência. Aquele ambiente naturalmente hostil e desconfortável, quando você já se sente completa e absolutamente desconfortável em sua própria pele. Ele já foi trabalhado diversas vezes e na verdade, o vemos o tempo todo nos cinemas. Todos adoram falar sobre adolescentes e seu habitat natural estudantil. Parece que tudo já foi dito, a julgar pelas repetições constantes que vemos surgirem nos cinemas. Ou, a criatividade ficou para trás com o último clássico teen.

Eu sempre abordo universo escolar e talvez seja parte de um apego pessoal aos filmes dos anos 80 que ajudaram a moldar meu caráter. Ou pode ser uma espécie de saudosismo pertinente que reacende todas as vezes que me deparo com o mais do mesmo do universo estudantil. Mas creio que tais obras que “moldam caráter” residem no passado. O que temos para a adolescência de hoje é uma série de repetições ou filmes como Projeto X, onde os perdedores da escola continuam perdedores, as festas são regadas por adolescentes que juram ser jovens adultos e um ar metido, esnobe e podre permeia os rostos, as interpretações e um roteiro mal amarrado.

Em partes, toda essa postura intragável de assumir uma identidade que ainda não lhe pertence é compreensível. O adolescente dos anos 2000 está mais assim, “wannabe”. O verbete em inglês designa àquelas pessoas que “querem ser”. Não são e provavelmente estão bem longes de ser. Mas juram que são, agem como se fossem e fazem um papel ridículo por isso. Não são autênticas, possuem a terrível sensação de estarem na crista da onda. São wannabes. Você já presenciou isso cara-a-cara ou já viu seus olhos obrigados a fazer uma rápida leitura de postagens toscas e exageradas no Facebook. Os adolescentes são mais dramáticos, creem ter os mesmos problemas dos mais velhos e se julgam maduros os suficiente para compreender o amor e outras complicações.

Mas essa mesma atitude também é incompreensível. Se eles querem ser o que não são, parte disso se dá pelas influências que recaem sobre essa geração. Os filmes que moldam caráter ficaram pra trás e não causam fascínio na galera de hoje. São raríssimas exceções. Suas referências culturais residem em canções de duplas de sertanejo universitário, em letras sexistas que denigrem a mulher, vulgarizam relacionamentos, que são de péssimo gosto e filmes maduros demais para sua faixa etária. Eles querem ser o que ainda não são. Falsificam identidades para ter acesso ao álcool e festas, se produzem como se seus corpos fossem uma espécie de instrumento de trabalho e falam como se soubessem das coisas. Estão vagando, sem qualquer referência para essa etapa da vida.

Talvez, a última vez que fomos - honestamente – apresentados a algo que fizesse sentido para o nosso presente adolescente, foi em Meninas Malvadas (2004). Ali fomos levados a uma avalanche de ironias inteligentes, que trazem o ambiente escolar americano para uma universalização das frustrações que temos quando não nos encaixamos na escola e por toda maldade que permeia os corredores, o refeitório e aquele grupinho de populares que adora diminuir os demais. É óbvio dizer que cada ambiente estudantil possui suas peculiaridades, mas Meninas Malvadas conseguiu a incrível façanha de, em meados dos anos 2000, se tornar o último clássico teen que atingiu todos os jovens ao redor do mundo.



Em abril farão 10 anos que esse filme nos foi apresentado, tempo suficiente para compreendê-lo com o passar dos anos, analisar seus critérios e avaliá-lo por sua atualidade e autenticidade. Na trama de Meninas Malvadas vemos Cady Heron (o último grande papel de Lindsay Lohan), uma adolescente de 17 anos que – pela primeira vez – será imersa no ambiente escolar. Após passar toda sua vida estudando em casa com seus pais, durante o período que residiu na África, a adolescente nerd em matemática se muda para Chicago com a família é levada para a verdadeira selva: o Ensino Médio. Ali, ela é rodeada por panelinhas, grupinhos segmentados e fechados e é deslocada, até ser gentilmente convidada pelas Poderosas para sentar à mesa na hora do lanche.

Formado pela abelha-rainha Regina George (Rachel McAdams), a dissimulada Gretchen Weiners (Lacey Chabert) e a tolinha Karen Smith (Amanda Seyfried), As Poderosas são as três meninas mais populares da escola, que ditam moda, costumes, ignoram os demais e são naturalmente arrogantes. São falsas e fazem Cady cair no conto do vigário escolar: você é importante para nós. Ela descobre, pela maldade aplicada de Regina, que sua inocência pode torna-la “vítima do sistema” e com a ajuda de dois amigos não populares (os primeiros que ela conhece), Damian (Daniel Franzese) e Janis (Lizzy Caplan) ela entra no jogo, a fim de acabar com o reinado da abelha-rainha.

Dentro do desenrolar da história todo clichê é mostrado com um bom humor cítrico e impecável, que só a comediante Tina Fey (ex Saturday Night Live, criadora do ácido 30 Rock e apresentadora por dois anos consecutivos do Globo de Ouro) poderia nos presentear. Ela faz uma alusão clínica do ambiente escolar a uma selva, onde todos lutam para sobreviver e agem como irracionais, passando por cima de tudo e todos para se manter por cima. Ela aborda o fim da inocência, que existe no coração de todo adolescente até ser apresentada ao covil de cobras, que destroem reputações, inventam histórias e humilham os outros a fim de se sentirem melhores sobre si mesmas.



E embora o elenco seja, predominantemente, formado por garotas, Meninas Malvadas conseguiu outra façanha: conquistou adolescentes dos dois sexos. O roteiro adaptado por Tina Fey do livro “Queens Bees and Wannabees” consegue passar – com clareza – como o adolescente se comporta diante da fofoca, do medo, da pressão de ser popular e da sensação de se sentir desajustado. Adicionado a isso, Tina ainda amplia a visão atingido o público geral, ao trazer para o foco os adultos que rodeiam os adolescentes e como estes são frutos daqueles. E para que esse ciclo estivesse completo, a ex-integrante do Saturday Night Live (que à época fazia parte do elenco de sketches), trouxe consigo mais três colegas do mesmo programa, que ajudam a compor o último clássico teen com maestria.

Amy Poehler (que apresentou o Globo de Ouro ao lado de Tina e é criadora de mais outra série ácida Parks and Recreation) é a mãe descolada, que se veste como jovem, é imprudente com suas filhas e quer fazer parte das Poderosas. Tim Meadows é o diretor, com postura firme, mas que tenta estar por dentro dos acontecimentos escolares. Ana Gasteyer é a mãe de Cady. Zoóloga, responsável e cuidadosa, algo que se reflete diretamente no caráter da filha. Já Tina, é a professora de Matemática, dedicada à profissão, frustrada com sua vida pessoal, mas sábia o suficiente para lidar com os adolescentes como ninguém.

E quando a fofoca toma proporções estarrecedoras, comprometendo professores e alunos (algo que acontece com a divulgação do Livro do Arraso, escrito pelas Poderosas e repleto de podres da escola), a atitude de perdoar vem em uma proporção ainda maior, todas as adolescentes envolvidas são forçadas a lidar com sua insegurança e falsidade de maneira cirúrgica, para extrair todo o veneno de uma vez só.

Meninas Malvadas nos traz, como um último suspiro, o cômico e brutal que tornam a escola o ambiente mais agridoce que existe. Seu bom humor fala agressivamente o quanto a fofoca é tóxica à medida que dá um soco na boca do estômago do adolescente, apontando como nós supervalorizamos a escola, restringindo e depositando toda nossa vida, sonhos e projetos em três anos que – no futuro – não passarão de uma breve história no tempo. Ele mostra aquilo referente ao presente que o jovem vive nesse período, não se firmando em referências descontextualizadas ou voltadas para os mais velhos. É um filme segmentado, mas que – brilhantemente – atinge um público amplo.



E pra ser clássico ele precisa permanecer na nossa mente por mais de 5 anos. Não é uma regra universal em se tratando do tempo que um filme permanece vivo para uma ou várias gerações, mas ele precisa ser lembrado e ovacionado mesmo após um bom tempo. Todos os clássicos são assim. E Meninas Malvadas também é.

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