Olhar Conceito

Domingo, 28 de abril de 2024

Colunas

Uma história sobre uma menina e um livro de uma guerra

Arquivo Pessoal

Era mais um daqueles dias comuns de verão: o céu claro iluminava janela adentro, trazendo consigo um leve vento relativamente quente das 16 horas. O pequeno quarto fechava-se em si mesmo, com amontoados de papeis por todos os lados, livros empilhados sobre a mesa, de forma que estavam quase tendo a aventura de caírem no chão, um computador ligado e esquecido assim…

A menina estava debruçada sobre a cama passando os olhos por uma página. Linha a linha, palavra a palavra, sua imaginação fervilhava em emoção e choro, em vontade de agir e paciência para esperar; fazia planos mirabolantes que envolviam os personagens e o que iria acontecer a eles, tentava descobrir como o bem venceria o mal na última página do livro – se é que iria vencer. Dragões vermelhos voavam pelo céu claro cuspindo fogo em torres e soldados, que tentavam, inutilmente, defenderem-se com seus escudos de metal. Cada bater de asa os fazia curvar devido à grande força com que os dragões empurrava o ar para baixo, e isso diminuía ainda mais a defesa e o moral dos soldados.

Flechas voavam das mãos habilidosas dos arqueiros do Reino do Leste, aproveitando a ofensiva que seu par de dragões fazia. Elas perfuravam a carne com uma facilidade inesperada, derrubando os corpos pesadamente no chão; o sangue escorrendo se misturava à terra batida e formava uma mistura espessa. Cada flecha disparada era uma lágrima que escorria pelo rosto de alguma esposa, que ficaria anos esperando pelo retorno que nunca aconteceria. As crianças cresceriam sozinhas, em um momento de aparente paz.

A ofensiva prosseguia rapidamente, e o castelo começava a ser invadido. Uma vez assassinado o rei, os dois reinos seriam unidos sob as ordens do mais forte; as fronteiras seriam dissolvidas, o comércio prosperaria, a cultura se misturaria… Haveria riqueza para o Reino do Leste, e isso impulsionava cada soldado a continuar firme à frente, batalhando ferozmente contra qualquer um que surgisse à sua frente.

De repente, alguma coisa fez um grande barulho, estilhaçando-se em mil pedaços.

Vozes gritavam lá fora, uma discussão que a menina já estava cansada de ouvir – seus pais brigavam novamente. Tentando voltar ao livro, o conflito que ocorria fora de seu quarto lhe afligia e impedia qualquer concentração. Sem outra escolha e angustiada, fechou as páginas da guerra e deitou-se de vez na cama, adormecendo algum tempo depois.

Em seu sonho, a incrível batalha continuava, com flechas sendo disparadas por todos os lados e um dragão a bater asa e cuspir fogo. Os soldados se espalhavam em campo aberto, com lança e escudo a postos. O movimento frenético da batalha era surpreendente. Os dois Reinos se debatiam em confusão, mas a menina percebeu que, ao invés dos exércitos estarem procurando pela cabeça de um rei já velho com longa barba branca, havia, de um lado, soldados buscando pelo seu pai e, de outro, pela sua mãe.

Tudo era, senão a guerra em si, palavras.

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