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Domingo, 28 de abril de 2024

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Claire Denis e sua prole de malditos

Arquivo Pessoal

No famigerado cinema de autor existem aqueles que imprimem sua personalidade artística de maneira singela. A assinatura do diretor só é percebida depois de vários filmes assistidos. Por outro lado, há aqueles que se expressam de maneira ainda mais peculiar, propõe mais rupturas estéticas, e por vezes narrativas, tramitando com liberdade pela experimentação.São cineastas mais pesados euma cena ou sequência é suficiente para identificá-los. Esse estilo marcante, funciona como o timbre na música, e é o caso de Claire Denis.

Seu timbre é soturno, forte e raivoso. Não é usado de forma apelativa, afim de se repetir eternamente diante de um bloqueio criativo. Com esse timbre ela constrói o noir Os Bastardos (2013), filme de baixo orçamento até para os padrões de Denis, que está longe do hollywoodiano. O filme foi lançado no último Festival de Cannes e, também, exibido no último Festival do Rio.



Na trama do roteiro, escrito em um mês, Marco (Vincent Lindon) é um marinheiro que retorna à Paris após saber que o cunhado cometeu suicídio, a sobrinha foi violentada sexualmente e a empresa herdada pela irmã chegou a falência. Suspeita que o magnata Edouard Luporte (Michel Subor) esteja por trás de tudo, afim de cobrar dívidas de agiotagem. Logo, Marco se muda para o mesmo prédio onde mora a amante, Raphaele (Chiara Mastroianni) e seu filho, também filho do seu antagonista.Marco seduz Raphaele enquanto investiga os acontecimentos que implodiram sua família.

O maniqueísmo bestializante do cinema americano, ou da telenovela brasileira, não se faz presente. Não existem mocinhos ou bandidos nesta história: são todos cúmplices e vítimas de seus males. Os personagens são complexamente malditos, oprimidos pelo cenário fechado e desertos, seja no mar ou dentro do apartamento. Tal opressão exercida pelo ambiente lembra em muito a obra de Haneke.



A fotografia de Agnés Godard que cerceia a luz é relevante para a criação desta ambiência, tanto quanto a música da banda Les Tindersticks, parceira de longa data de Denis, que, através do tema cria unidade entre cenas distintas sem direcionar de forma grosseira o olhar do público.

No entanto nada chama mais a atenção do que Claire Denis.O tratamento que a diretora dá às cenas de violência são singulares. Eles aposta em negar tais cenas com sugestões, como no acidente automobilístico. O farol é desligado e a velocidade aumenta gradativamente, percebemos a aceleração pelo ronco do motor enquanto a câmera permanece enquadrando a condutora. Na cena seguinte: destroços e corpos ensanguentados. Essa violência nas entrelinhas traz à memória o cinema asiático, em especial, Kim Ki-duk.



Aos que procuram um cinema mais agradável, inspirador, cheio de açúcar, Claire Denis não é uma experiência recomendada. Ela e sua prole de malditos são deploráveis, abjetos, toscos e indigestos, essas coisas ruins que só existem do outro lado do espelho.

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