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Domingo, 28 de abril de 2024

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A outra arca de Noé; Confira coluna cinestesia

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Quando soube que a direção de Noé (2014) estaria aos cuidados de Darren Aronofsky, instantaneamente me pus a arrazoar as várias razões para a adesão do diretor norte-americano a uma megaprodução. Seu maior sucesso de bilheteria, Cisne Negro (2011), segundo Eduardo Ecorel da Revista Piauí, foi produzido com 13 milhões de dólares, 117 a menos que o épico bíblico. A resposta mais adequada é encontrada no fato do projeto ser de autoria de Aronofsky, logo foi a endinheirada, e endinheirante, Paramount que aderiu à Aronofsky.

A adaptação, bem como a tradução, naturalmente provoca a perda de virtudes pelos caminhos da transfiguração. É natural que as mais bem sucedidas (e não falo mais de dinheiro agora) sejam interpretações livres, desprendidas do conteúdo, além da linguagem, evidentemente. E assim transcorre Noé, sem fidelidade ao texto bíblico, esquivando-se com destreza do desnecessário.

Os trunfos, em relação a aquilo que já foi filmado da Bíblia, são evidentes na arte, com lugares e roupas distintas do que já foi visto. Obviamente, nunca se gastou tanto dinheiro na produção de outro filme afim. Mas, destaca-se, o poder de imaginação e criação impressos no roteiro de Aronofsky e Ari Handel. Eles criam tensões inexistentes no texto original, personagens questionáveis, quanto ao gosto, como os guardiões, anjos caídos, que são uma espécie de transformes de pedra, e também, o personagem Matusalén (Antony Hopkins) como um eremita.

O ápice da inventividade se dá na comunicação ruidosa entre o Noé (Russell Crowe) e o Criador, através dos sonhos. Noé passa a acreditar que sua família será a última sob a terra, pois não poderão gerar descendentes. O patriarca constata, no meio a narrativa, que a depravação humana se estende também a si mesmo e a todos seus parantes. O protagonista não é o mesmo personagem bíblico:é incrivelmente mais nobre. Aronofsky não retrata de forma clara a maldição que o pai concede ao filho Cam (Logan Lerman) por um pecado próprio. Sobretudo, Noé só consegue suportar o peso de sua cumplicidade com o extermínio humano, por entender que também não será poupado. O peso da sobrevivência lhe causa chagas terríveis. Algo sentido por muitos dos que optaram pela luta armada durante a ditadura, e perderam seus melhores amigos nas mãos dos “milicos”.

Infelizmente, Noé também é um gladiador: luta, dá cambalhotas e atira facas. As cenas de ação revelam o teor escapista que submergem a qualquer possível intenção de discutir a depravação humana, ou a tirania e o senso de justiça do Criador no Antigo Testamento. Aronofsky não prega, nem contra e nem a favor. Está bem mais interessado na sua produção colossal, e suas muitas possibilidades de escolha. Por muito pouco não perdeu o corte final para a Paramount. Porém, venceu a queda de braço e já vem satisfazendo com os bilhetes. Mas o cinema megalomaníaco não lhe cai bem, fica melhor para o Cristopher Nolan. Criativamente, Aronofsky, é bem mais interessante com a canoa de Pi (1998) e Réquiem Para Um Sonho (2000), do que com a arca de Noé.

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