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Domingo, 28 de abril de 2024

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Confira coluna pop cult de Rafa Gomes: Alguém igual à Madonna

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Bilhetes, cartas, telegramas. A comunicação entre pessoas distantes já foi bem lenta. Mas talvez era esse aspecto que dava um gostinho a mais em se manter conectado por meio desses tipos de correspondência. Existia um certo mistério sobre o que estava por vir. E a paciência, necessária para suportar o longo tempo de espera da chegada de uma carta, bilhete enviado por meio de alguém ou telegrama, só contribuía para alimentar a expectativa de coisas novas, surpresas ou simplesmente notícias. E é por causa deste brilho na correspondência à longa distância que fomos presenteados como uma das comédias screwball mais simples, porém importantíssima para a concepção da cultura pop em sua raiz.

Você pode nunca ter ouvido falar de Procura-se Susan Desesperadamente, mas obviamente conhece Madonna. Aquela artista que brilhou no papel de Evita Perón em 1996, escreveu seu primeiro livro infantil em 2003 e dirigiu seu primeiro longa metragem em 2011. Mas antes disso tudo, do título de Rainha do Pop, de ícone de estilo e marco de gerações, Madonna deu seu primeiro grande passo em 1985, na comédia mencionada logo acima.

Antes que os desavisados me corrijam a respeito do “grande passo”, é importante salientar que o início dos anos 80 traz uma artista vocalmente imatura, mas poderosa em personalidade e autenticidade. No início de sua carreira, Madonna teve que se provar. Conseguiu destaque com seu primeiro álbum Madonna (1983) e deu seu primeiro passo polêmico com o videoclipe de Borderline (que mais a frente será destrinchado). Em 1984 ela lança Like a Virgin, que inicialmente não tinha estourado. Mas foi a chegada de Susan em sua vida que transformou um do discos mais emblemáticos na confirmação de que Madonna ia fazer parte da cultura pop por muito tempo.

Quando Procura-se Susan Desesperadamente foi lançado, Madonna ainda não era um ícone, Like a Virgin estava alcançando números razoáveis de vendas e a artista era só mais uma na música pop americana. Mas é impressionante como algo tão simples e raramente lembrando por todos é capaz de transformar a forma como absorvemos a cultura e demais coisas ao nosso redor. Todos sabem quem Madonna é, mas poucos sabem como ela se tornou o que é.

Em Procura-se Susan encontramos Roberta Glass (Rosanaa Arquette), uma jovem dona de casa entediada com sua vida regada à luxo, mas vazia em atividades realmente interessantes. Seu maior passatempo é acompanhar a troca de mensagens feita entre apaixonados nos classificados de um jornal local. Para ela, é fascinante idealizar como seriam esses casais, que tipo de relacionamento eles possuem e quão emocionante pode ser bolar uma história inteira. Dentre as histórias que acompanha, seus olhos e mente viajam nos encontros entre Susan (Madonna) e Jim (Robert Joy). A versatilidade implícita nas mensagens permite Roberta criar um tipo de casal irreverente, apaixonado, nada igual ao seu tedioso casamento com Gary (Mark Blum).

Decidida a estar no ponto de encontro marcado por Susan e Jim (feito por meio da notinha “Procura-se Susan Desesperadamente” nos classificados), Roberta acompanha o casal de longe e se fascina com o estilo de Susan (que é a expressão perfeita da identidade de Madonna com as bijuterias pesadas, o intenso batom vermelho e as roupas que a tornaram literalmente única). Assim, ela passa a seguir os passos de sua nova “musa” a ponto de se apropriar de sua jaqueta emblemática, que fora trocada por um par de botas cheias de spikes por Susan.

O fascínio de Roberta por Susan a transforma em sua cópia direta. Além de adotar a jaqueta que se torna referência no filme, a dona de casa se apropria do estilo de Susan, o que gera um incidente e troca de identidade entre as duas. Se aprofundar mais na comédia seria desmerecer aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de desfrutar da história e desnecessário mediante ao foco aqui mostrado.

Após o grandioso sucesso do filme, a perspectiva que as pessoas tinham a respeito dela tomou proporções colossais. Fazendo um link com a obra, a personagem de Madonna representava tudo aquilo que Roberta não era, mas secretamente ansiava ser. Ela era espontânea, despretensiosa, menos exigente consigo mesma e autêntica em todos os sentidos.

Além disso, Madonna representava os conceitos e maneirismos repreendidos pela sociedade mais conservadora dos anos 80. Assim como acontece com Roberta, sua postura ia de encontro aos parâmetros impostos no estilo de se vestir, nos cortes de cabelo e no jeito de falar e andar. Mas foi esta irreverência de Madonna e Susan que rompeu com alguns preceitos estabelecidos para a sociedade norte-americana e mundial na década de 80. Foi essa caricatura que fez com que a juventude dos anos 80 se encontrasse e encontrasse uma representante da sua geração. Madonna era (e ainda é) vanguardista, representava o novo, o diferente, o marcante.

Foi com Susan que Madonna ganhou a evidência que lhe daria o status de ícone pop, embora o clipe do single Borderline (84) tenha dado indícios do tipo de artista que ela seria. Em se tratando de tempos contemporâneos, o vídeo não parece surpreendente, mas para a época, as pichações feitas em esculturas e patrimônios simbolizavam uma reconfiguração da arte de forma polêmica. Esse vislumbre veio em sua totalidade no ano seguinte, com Susan e com a canção tema do filme Into the Groove que – devido ao seu grande sucesso – foi lançada em uma segunda edição do disco Like a Virgin, tornando o álbum em um hit sem precedentes.

A comédia oitentista mostrou para um público maior quem Madonna era e a identificação por parte dos jovens foi imediata. Seu estilo não apenas se tornou o uniforme desta geração, como sua personalidade fez história como uma das melhores coisas que já aconteceram no meio sociocultural na década e nas demais que surgiram.

Em 1985, após contemplar a comédia, nem o crítico de cinema Roger Ebert saberia dizer o que isso significaria para o universo pop. Madonna poderia ter sido apenas uma artista de one-hit-wonderl, mas soube se inventar e reinventar, fugindo dos padrões e criando um novo que não pedia medidas específicas e englobava a todos sem preconceitos.

Uma juventude que era confusa a respeito de sua identidade ganhou voz em Madonna, que a seguiu por toda a década (até os dias de hoje), fascinada por sua irreverência camaleônica. Os produtores de Procura-se Susan não sabiam, mas o efeito hipnotizante que direciona Roberta à Susan é exatamente o mesmo que nos direciona à Madonna. Todos a seguem desde então e ainda se questionam se um dia haverá alguém igual a ela. Mas alguém igual não há de ter.

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