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Domingo, 28 de abril de 2024

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Agronegócio, o negócio da morte!

Arquivo Pessoal

No Brasil, enganamos os índios desde a primeira missa aqui rezada. A terra dos Brasis foi dividida arbitrariamente em Capitanias Hereditárias, o modelo latifundiário implantado no Brasil Colônia constituiu nossa fórmula concentradora de terra e renda que se arrasta por mais de 500 anos. Derrubamos praticamente toda nossa Mata Atlântica em nome do tal progresso colonial. Hoje a vez é do nosso Cerrado, devastado, derrubado e queimado. E adentramos a Floresta Amazônica. Onde iremos parar em nome do tal progresso?

Assim somos um país com suas terras distribuídas para poucos desde a chegada dos portugueses. Ainda somos uma colônia agroexportadora. Ainda somos muito coloniais e não sabemos. Nossos senhores de engenho são os donos dos maiores latifúndios. Aqui no Brasil, os donos das terras, mandam desde Pedro Álvares Cabral.

Nossa política ainda é coronelista. Não mais de Senhores de Engenho donos de capitanias, mas de Empresários do Campo dentro de uma democracia, lobistas dentro do Congresso para influenciar na mudança de leis ambientais e tributárias em causa própria. Um poder capaz de colocar representantes da bancada ruralista dentro da Comissão de Meio Ambiente do Congresso e do Senado. Um poder capaz de decidir quem será o próximo governador do estado de MT ou presidente da república. A indústria química e os grandes empresários do campo financiam campanhas eleitorais em todo Brasil, investem pesadíssimo. Como mudar esse modelo posto? Os maiores interessados fazem as leis. Mudaram até o atual Código Florestal. É como se o próprio lobo tomasse conta do galinheiro. Isso é um absurdo, mais uma vez nos mostra a importância do financiamento público de campanha para mudar essa realidade.



A forbes mostrando os mais novos 4 bilionários do Brasil, todos da mesma família. Entre os maiores produtores do estado de MT. Todos da mesma família. Com poder de eleger governador e senador. Com poder e influência dentro da casa de leis.

No ano de 2008, o então ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, em sua primeira entrevista, declarou ao Jornal da Globo de forma irônica: "Você pega o governador de Mato Grosso, ele próprio é o maior produtor de soja do mundo. Se deixar ele (Maggi) planta soja até nos Andes. Então, não é mole!" O então governador de MT, Blairo Maggi (PR), classificou de "descabidas, inoportunas e impróprias". Será?

"O que se percebe é a existência de uma ação coordenada contra o Estado de Mato Grosso, alimentada por um preconceito contra o setor produtivo, que acaba sendo penalizado por ser o responsável pela produção dos alimentos que abastecem a mesa dos brasileiros e de boa parte da população mundial e que responde por parcela significativa das exportações brasileiras", diz Maggi. Será? Pelos dados do próprio setor produtivo, sabemos que mais de 70% de nosso alimento diário vem da Agricultura Familiar e não do Agronegócio como muitos tentam justificar os desmandos ambientais em nome desse modelo posto.

É importante não confundir os interesses escusos da bancada parlamentar ruralista com os nobres interesses do homem do campo. Não existe nada mais contra o campo que a bancada ruralista. Todos da Frente Parlamentar do Agronegócio estão ligados ao desmatamento e aos grandes laboratórios da indústria química veneneira.

O país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo tem milhares de crianças morrendo de fome? Essa é a pergunta que mais me intriga. Alguém já se perguntou isso?

No capitalismo agrícola essa pergunta não tem importância. O discurso dos defensores do agronegócio é de que estão salvando a humanidade da fome. Mas me parece que isso não tem dado certo aqui no Brasil, um país com um contingente monstruoso de pobres e miseráveis. Aliás, essa é mais uma mentira propagada pelos grandes produtores latifundiários.

Soja para os porcos e vacas da Europa. Soja para China. Algodão para o jeans americano. Miséria e destruição ambiental para o Brasil. Temos mais de 600 espécies ameaçadas de extinção e campos sendo degradados. Essa é a realidade prática. O discurso do PIB do agronegócio não enche as barrigas que nesse país que tem fome. O crescimento do IDH não paga o câncer. Então quero saber quem pagará os maus tratos com nossa terra e nossa água?

Três coisas basicamente definem o que é o modelo do agronegócio: grandes latifúndios (grandes porções de terra), a prática do monocultivo (soja, algodão, milho, etc.) e a tecnificação do campo (junto com a dependência de insumos externos – agrotóxicos). Esse é o destaque do que seria tal modelo agrícola predador que afoga as intenções do pequeno agricultor em nosso estado. Não há muito espaço para os pequenos na terra dos grandes. Nosso modelo agrícola colonial concentrador passou por uma reformulação por volta da década de 60 do século passado. Eis que surge a Revolução Verde, que nada tem de verde. É nesse período que o homem do campo começa a ser seduzido e aprisionado pelos pacotes tecnológicos vindos dos EUA. A partir daí os grandes laboratórios da indústria química avançam radicalmente em pesquisas no campo para aumento de produção e de produtividade. Desde então, não se faz agricultura em grande escala sem o uso desses produtos vendidos pela indústria química.

Para concorrer no mercado mundial, os agricultores tem que se adequar as regras do jogo do morbinegócio, o comumente conhecido como negócio da morte.

Desde 2008 o Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Líder no ranking mundial de uso de venenos na agricultura, prática impulsionada pelo agronegócio. O cálculo dessa tragédia cotidiana em nossos campos é muito simples: MT é o estado que mais produz grãos, consequentemente é o maior consumidor de agrotóxico do país.

Aprendi isso em Cáceres no ano 2000, na Escola Agrotécnica Federal, hoje IFMT. Logo depois de formado, aos 18 anos consegui meu primeiro emprego formal, em Tangará da Serra – MT. Lá por um curto período como Técnico em Agropecuária acompanhei fiscalizando uma gigantesca aplicação de herbicida (Tordon) dentro da fazenda São Marcelo (do grupo Carrefour). Dessa vez, eles estavam cuidadosos com as aplicações do herbicida na pastagem, pois em ano anterior, o produto tinha dado deriva e atingiu o plantio dos agricultores familiares das redondezas no Assentamento da Gleba Triângulo. Tiveram que pagar o preço desse acidente ambiental. Essa foi minha primeira experiência profissional no campo. Lidar com um problema de contaminação por aplicação irregular de um produto químico. Algo muito comum em MT.

Foi em Cáceres que também tive a oportunidade de estudar Agronomia na Unemat, o lugar que pela primeira vez ouvi a palavra “Morbinegócio”, em referência ao Agronegócio. O agrônomo e educador Fábio Nolasco nos apresentou a lógica do raciocínio do “Negócio da morte”. É uma ideia é bem simples: a indústria química que produz as sementes, herbicidas, inseticidas, fungicidas, acaricidas e insumos para aumentar a produção e produtividade no campo.

As aulas do Prof. Dr. Fábio Nolasco eram sempre polêmicas, pois atacava pontos cruciais dentro do nocivo sistema agrícola implantado em nosso estado. A indústria que contamina o alimento no campo é a mesma fabricante do remédio para suposta cura ou tratamento do nosso futuro câncer. Quem te contamina é o mesmo que te vende o tratamento para sua cura. Seja de um câncer, de uma simples dor de cabeça, de uma náusea ou de uma aparente insignificante dor de estômago. Isso é a lógica desse modelo do agronegócio que se faz presente no Brasil e de modo mais significativo em MT. Nossa doença é a fonte de lucro dos grandes laboratórios químicos. Basf, Bayer, Monsanto e Down. Basta lembrarmos que a indústria do agrotóxico fez parte da indústria da guerra. No Vietnã, por exemplo, nunca foi pago a indenização pelo uso do conhecido “agente laranja”. Suas maiores vítimas foram crianças e idosos.

Pode até parecer teoria da conspiração, mas não é! Isso é a mais pura realidade que estamos vivendo. Perda da diversidade, contaminação das nascentes dos rios, contaminação do ar, contaminação do leite materno das mães de Lucas do Rio Verde. Até quando esse modelo irá ser sustentado com tamanhas consequências para os seres humanos e para o meio ambiente? Até quando o veneno no campo será mais importante que o leite materno?

Já chegamos a mais de 400 tipos de agrotóxicos registrados pela Anvisa (Agencia nacional de Vigilância Sanitária). Somos o país campeão em uso de agrotóxicos. Em nossos campos de soja, milho e algodão, escorrem milhares de litro de veneno a cada safra. “O veneno está na mesa”, “O mundo segundo a Monsanto”, “A carne é fraca”, “Nuvens de veneno”, “Ouro verde” são ótimos documentários para quem quer compreender a dimensão daquilo que falo. A Revolução Verde prometeu um progresso falso. Depois da década de 60, a produção aumentou e os desastres ambientais também, os agricultores familiares começaram a perder o controle das sementes crioulas ou tradicionais. Os empresários do campo começaram a substituí-las por sementes híbridas e transgênicas. Uma forma de controle entre tantas outras.



A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou em 2010 os dados do PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos de Alimentos). Dois tipos de problemas foram detectados pela Anvisa nestas amostras: presença de resíduos de agrotóxicos acima do permitido e uso de agrotóxicos não autorizados para estas culturas. As amostras foram coletadas em 25 estados do país e no Distrito Federal. No balanço geral, das 2.488 amostras analisadas pelo programa, 28% apresentaram problemas. Deste total, em 24,3% dos casos, foi constatada a presença de agrotóxicos não autorizados para a cultura analisada. Em 1,7% das amostras foram encontrados resíduos de agrotóxicos em níveis acima dos autorizados. “Esses resíduos indicam a utilização de agrotóxicos em desacordo com as informações presentes no rótulo e bula do produto, ou seja, indicação do número de aplicações, quantidade de ingrediente ativo por hectare e intervalo de segurança”, observa Agenor Álvares.

O relatório final do PARA destaca que as doenças crônicas não transmissíveis – que têm os agrotóxicos entre seus agentes causadores – são hoje um problema mundial de saúde pública. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), elas são responsáveis por 63% das 57 milhões de mortes declaradas no mundo em 2008, e por 45,9% do volume global de doenças. A OMS prevê um aumento de 15%, entre 2010 e 2020, dos óbitos causados por essas doenças. No Brasil, elas já representam a principal causa de óbito, sendo responsáveis por 74% das mortes ocorridas em 2008 (893.900 óbitos). O mercado brasileiro de agrotóxicos é o maior do mundo, com 107 empresas aptas a registrar produtos, e representa 16% do mercado mundial. Somente em 2009, foram vendidas mais de 780 mil toneladas de produtos no país. Além disso, o Brasil também ocupa a sexta posição no ranking mundial de importação de agrotóxicos. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil é o principal destino de agrotóxicos proibidos no exterior. Dez variedades vendidas livremente aos agricultores não circulam na União Europeia e Estados Unidos. Foram proibidas pelas autoridades sanitárias desses países.

O alimento barato para exportação tem gerado um custo ambiental muito alto. Os efeitos na saúde e boa parte de todos os danos ao ambiente não estão contabilizados na produção do campo. O custo ambiental não é pago pelo produtor que é refém de um modelo. O custo da doença não é pago pelo sojicultor.

O país da produção do alimento vive com uma população na miséria. Ser o celeiro do mundo não nos afasta de ser um dos países com uma das piores distribuições de renda do mundo. Até quando acreditaremos no mito do progresso já feito aos antigos nativos desta terra? Até quando seremos enganados feito índios de outrora trocando nosso “ouro” por “espelhos”?

A morte do futuro de nosso futuro está sendo plantada, adubada e regada no presente. Envenenamos a vida e queremos saúde. Os campos cheiram veneno. Saímos do sul do estado até Alta Floresta, e dos dois lados da rodovia, o que vemos são latifúndios com imensos monocultivos a perder de vista com um uso exaustivo de implementos agrícolas. A riqueza dos campos é para poucos, muita concentração de renda.

Daqui alguns anos, ou décadas, quero ver o PIB do estado alimentar nossos filhos e netos quando todos nossos rios estiverem contaminados. Não temos pobreza em nossos municípios produtores de grãos e gado? A pobreza é o que há de menor se comparado a questão da saúde humana e o fator ambiental. Mato Grosso já não será mais “só mato”. Como diziam aqueles que aqui chegaram do Sul e Sudeste do país pós década de 60. “Mato Grosso era só mato”, assim diziam aqueles que chegaram à mesma época da famílias Pivetta, Maggi e tantas outras. 500 anos de colônia

Depois de assistir várias entrevistas e declarações do pesquisador da UFMT, Dr. Wanderlei Pignati, me veio a seguinte pergunta: de que adianta Lucas do Rio Verde ter o melhor IDH do Estado e ter o leite materno de suas mães contaminado por produtos químicos oriundos da lavoura? Recorde de produção agrícola, com recorde de contaminação de leite materno. Qual será o futuro dessas crianças que nascem em uma cidade tão bem estruturada?

Ausência de um programa sério de saúde do trabalhador do campo é outro problema. O MT é o maior produtor de soja, milho e gado. Mas também é o maior consumidor dos agroquímicos (agrotóxicos e fertilizantes químicos). O cerrado virou lavoura e pasto. O alimento produzido é exportado mas os insumos químicos que são nocivos, eles ficam aqui. O ciclo soja e algodão, a alternância de plantio e de colheita, leva uma grande carga de agroquímicos, totalmente agressiva a biodiversidade ambiente. Chapada dos Guimarães já tem plantado milho na beira dos paredões. Nos maiores municípios do Agronegócio as escolas de educação infantil já estão dentro da lavoura. Cerca de 30 reservas indígenas nos estado de MT. Todas as nascentes do Xingú, nascem no meio do campos com plantio de soja e algodão. Quanto que custa a vida? Quanto custa um câncer? Quanto que custa isso para o estado? Como mudar o minimizar tamanhos impactos?

O controle social é o princípio. Mobilização de sindicatos, associações, escolas, ongs, etc.. O governo do estado poderia estruturar a Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural – Empaer (pequenos produtores) aos moldes da Embrapa Soja (grandes produtores). Isso seria revolucionário. Só que não! Basta vermos o quanto de recursos e concursos públicos houve para Empaer nos últimos 20 anos. É algo vergonhoso diante da demanda!

Uma melhora seria diminuir o uso dos produtos mais tóxicos, os mais nocivos. Criar estímulos fiscais a outro modelo agrícola. Somente com uma Reforma Política séria mudaremos esse quadro. Não podemos ter políticos eleitos custeados por empresas que buscam retorno na casa de leis. Somente com uma profunda Reforma Política é que mudaremos nossa política Agrária, Ambiental e Indigenista conforme os interesses gerais da nação com vista no futuro. Enquanto isso: comeremos veneno, beberemos veneno, respiraremos veneno e transpiraremos veneno. O veneno está na mesa. Está na televisão. Ele vem na próxima eleição.

*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.

Documentários indicados:

1. Nuvens de veneno - http://www.youtube.com/watch?v=v2eUR5EyX9w
2. Ouro verde - http://www.youtube.com/watch?v=6Z6cOBo1g8A
3. O veneno está na mesa - http://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg
4. A carne é fraca – http://www.youtube.com/watch?v=Nb26sQATp1Q
5. Alimentos S.A. – http://www.youtube.com/watch?v=xK1jAP6c5nQ
6. O mundo segundo a Monsanto – http://www.youtube.com/watch?v=gE_yIfkR88M

*Reinaldo Marchesi é professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.

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