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Domingo, 28 de abril de 2024

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Cinestesia: A inquietude das vidas que não se bastam

Arquivo Pessoal

“A arte existe porque a vida não basta”. A frase de Ferreira Gullar, com sua reverberação ad infinitum, é a provocação que incita o documentário A Vida Não Basta (2013), de Caio Tozzi e Pedro Ferrarini. A priori, os provocados são artistas de várias artes, que falam sobre a relação vivida com suas respectivas artes. Compõem este grupo o escritor Milton Hatoum, o estilista Ronaldo Fraga, o cantor e compositor Toquinho, a cineasta Laís Bondanzky, o dramaturgo Leonardo Moreira, a atriz Denise Fraga e os quadrinistas Gabriel Bá e Fábio Moon.

Sobretudo, evidencia-se a figura do poeta maranhense Ferreira Gullar, autor da divagação que nomeia o longa. Este protagonismo lhe cai bem, pois tem envergadura suficiente para centrar atenções, não se pode ser indiferente a um Ferreira Gullar. Eu não posso. Como o autor de Poema Sujo, tornou-se um reacionário, de conservadorismo obsceno? Mas, mesmo assim, não exitei em recitá-lo, em Cantiga pra não morrer , à minha companheira, antes de dizer que queria dividir minha vida com ela.



A montagem é oportuna ao não deixar o longa se dissolver em cima de um personagem apenas, no caso Gullar. Todos recebem atenção devida. E quase todos assumem com suas falas determinado protagonismos em diferentes momentos. É singular e extremamente saudável que nem todos os artistas em questão pensem similarmente. As contradições são a força de A vida não basta. Imputa sinceridade e, por conseguinte, verossimilhança. Além ainda, enriquece, expondo diferentes noções da necessidade da arte diante de uma vida finita, e também, diversos processos criativos para artes distintas de artistas de várias gerações e regiões. A escolha deste elenco é ímpar, dada a inquietude revelada que os jogou de fronte à arte.

Os interlúdios propostos cabem razoáveis como espaços para um “respiro”. A dinâmica soa interessante e um tanto lúdica com fotografias contemplativas, mas também cansam por excessivas passagens de foco e trilha de didática escolar. Longe, é claro, de interferir na fluidez do filme.



Tozzi e Ferrarini não cometem o erro tosco de fazer de A vida não basta uma resposta absoluta e definitiva da necessidade da arte, embora se afirme isso do primeiro ao octogésimo quinto minuto. Se for entendido como provocação ao debate, o filme ganha dimensão colossal, seja para uma mesa no buteco ou na sala de aula. De fato, o debate é necessário, nem pela possível refutação da afirmativa, mas pela sua dissecação que traz à luz as questões mais banais e complexas da filosofia, ou melhor, traz a arte para esta conversa.

Quem tiver interesse em ver o longa, ele será exibido no espaço cênico do Cine Teatro Cuiabá, nos dias 27 e 28 de maio, em sessões gratuitas, às 15h e às 19h

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