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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Copa do Mundo: Brasil versus Japão, a derrota anunciada!

Arquivo Pessoal

Nos país da copa, tem uma frase muito antiga e comum: “Política, futebol e religião não se discute!”.

Ainda bem que nunca me importei quando discuto sobre esses temas que são tão caros ao Brasil. Caros em todos os sentidos. Não vou satanizar e responsabilizar nenhuma prática esportiva como causa de nossas mazelas. Porém, não podemos nos cegar diante do fato de que o povo brasileiro vive futebol e política de forma religiosa.

Pode até parecer papo de boteco, mas não é. Futebol no Brasil hoje não é mais papo de botequim.

No país do futebol, a seleção japonesa de futebol desembarcará em Cuiabá, o povo cuiabano deve estar se perguntando quando será esse jogo Brasil versus Japão? Qual será o placar? Prezados, sinto informar que na primeira fase esses times não se encontrarão dentro de campo. Mas fora de campo, temos um placar arrasador. Uma goleada de diferença.
Sede da Copa do Mundo, porta de entrada para o Pantanal e Chapada, Cuiabá terá apenas quatro partidas do Mundial em uma arena construída especialmente para a competição. O primeiro duelo na Arena Pantanal será entre Chile x Austrália, Rússia e Coreia do Sul, Nigéria e a estreante Bósnia-Herzegovina, Cuiabá se despede com o jogo da Colômbia contra o Japão, em 24 de junho (terça-feira). Com oito seleções de cinco continentes diferentes.



O prefeito Mauro Mendes projeta uma ascensão do turismo internacional em Mato Grosso. "Nós vamos focar em atrair nesses países o maior numero possível de torcedores, para que estejam em Cuiabá participando do evento. E vamos estar preparados para recebê-los muito bem e ajudar o Brasil a fazer dessa Copa uma das maiores Copas da história." Será senhor prefeito?

Diante do caos que estamos vivendo, uma cidade com cenário de trincheira de guerra e muitas obras inconclusas, vejo que o prefeito cuiabano está bastante otimista diante dessa situação trágica que estamos passando.

O governador do Mato Grosso, Silval Barbosa, também projeta um grande afluxo de torcedores para o estado. "O Japão é um país que tem tradicionalmente uma colônia muito forte (no Brasil), e o Japão tem uma tradição muito forte de turismo. Com o potencial que nós temos de turismo, certamente nós vamos atrair (turistas). [...] Então nós estamos muito otimistas. Agora é coroar de êxito, certamente nós vamos ter um legado muito bacana com essas oito seleções."

Gostaria de avisar o governador do estado que não se fomenta o turismo apenas com potencial. Cuiabá e MT têm sim potencial turístico, porém as coisas que nos faltam aqui são políticos honestos, capacidade de gerência, compromisso com o dinheiro público e cidadania. Aliás, características ausentes em quase todo território nacional.

“Abre o olho japonês” essa é uma das frases mais comuns usadas por brasileiros para brincar com a característica peculiar dos olhos do povo oriental. “Abram os olhos japoneses?” irão nos perguntar ironicamente todos eles que aqui vierem. Afinal, nós brasileiros é que temos que abrir de fato nossos olhos.

Para esse comparativo com o povo oriental conhecido por sua educação, disciplina, organização, honestidade e força de trabalho, vejam alguns motivos disso que falo. Coloco-me no lugar e no olhar do turista que aqui virá:

1. Desembarque no aeroporto Marechal Cândido Rondon, o pior do país;
2. Sem o moderno VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), resta apenas velhos ônibus lotados e desconfortáveis que nunca param no ponto de forma correta. No famigerado transporte público intermunicipal (Cuiabá/Várzea-Grande) as pessoas são tratadas como verdadeiras sardinhas enlatadas. As ruas estão esburacadas e sem asfalto nas periferias.
3. Nesse trajeto do aeroporto, “belas paisagens”, a empresa Sadia com seu odor poluindo o ar várzea-grandense. Nossa bela paisagem antinatural nesse trajeto do aeroporto é o rio Cuiabá e o córrego do Barbado, verdadeiros esgotos a céu aberto. Isso tapume nenhum poderá esconder.
4. O país também passa pelo despreparo da segunda língua, sem o inglês, para receber quem quer que seja de outras partes do mundo.
5. Cuiabá tem hospedagem entre as cidades-sede com os hotéis mais caros do Brasil;
6. Chapada dos Guimarães com péssimo acesso em uma rodovia sem duplicar, a Salgadeira, seria um dos principais pontos turísticos se as obras projetadas tivessem sido concluídas, os tapumes estão por todos os lados.
7. O Pantanal mato-grossense poderia ser mais bem visto e visitado se cidades como Cáceres e Poconé tivessem de fato recebido e executado os recursos devidos. As lagoas de mergulho e flutuação em Nobres seriam espetaculares se a cidade já tivesse tudo organizado e estruturado.
8. O Brasil tem uma das polícias mais violentas do mundo, sendo Cuiabá uma das capitais mais violentas do país. Os noticiários e as estatísticas nos mostram o cenário de uma guerra que acontece no Brasil todos os dias com pessoas inocentes vivendo num clima de insegurança em decorrência da violência alarmante em todas as partes do país. Dados da Unesco.
9. A periferia tornar-se-á verdadeiros zoológicos humanos, onde turistas mostrarão ao mundo as condições desumanas que os brasileiros pobres e miseráveis vivem.
10. O brasileiro é o povo que mais paga impostos no planeta. Alimentam os políticos mais caros do mundo. E possuem elevados índices de corrupção dentro dos cargos públicos. A educação brasileira é uma das piores do mundo, segundo o programa de avaliação mundial (Pisa).

Apenas isso já seria o suficiente para dizer da vergonha que passaremos ao receber tantos japoneses em solos cuiabanos. O turista vai sair daqui com uma propaganda totalmente negativa. Fiz apenas algumas pontuações sobre a vergonha mundial que passaremos. Tentei me colocar no lugar de cada japonês que aqui chegar. Falo dos japoneses, mas poderia falar de outros países de primeiro mundo.

Coloco-me no lugar dos japoneses porque um dia tive a oportunidade de conhecer o Japão, me senti totalmente fora de casa. Um mundo totalmente diferente de minha realidade aqui em Cuiabá e no Brasil. Cheguei ao Japão no aeroporto de Narita, nas proximidades de Tóquio, tudo perfeitamente funcionando. Andei de táxi com taxistas que falam minimamente o inglês e todos preparados com máquinas de passar cartão. Usufrui dos serviços de transporte de uma das maiores populações do planeta com perfeito funcionamento. Andei pelas ruas limpas com lixeiras sinalizadas. Todas as calçadas respeitando os portadores de necessidades especiais. O comerciante japonês não tenta te trapacear nos preços porque você é turista. Lá a honestidade é coisa da maioria. Você não corre o risco de ser assaltado em cada esquina. Você pode sair com máquinas e celulares em mãos que ninguém irá te assaltar.



Muitas pessoas acham exagero comparar BRA com JAP, Cuiabá com Tóquio. Mas o maior exagero que temos é termos acreditado nas promessas dos benefícios dessa Copa. No país que falta hospitais e escolas, que ainda não erradicou seu analfabetismo, se dá ao luxo de receber um evento custoso aos cofres públicos.

Vejo que tal comparação é totalmente cabível, se voltarmos no tempo do pós-guerra, veremos um Japão destruído que se reergueu investindo cerca de 10% do PIB em sua educação. Isso sim foi um investimento revolucionário. O Brasil investe menos da metade disso em educação e ainda quer obter resultados diferentes construindo estádios.

Sempre soube desde o início que a salvação de Cuiabá e do Brasil não viria das pontas de uma chuteira como muitos acreditaram. 56 obras e a maioria inconclusa. Cada uma das 23 grandes obras do Mundial – trincheiras, viadutos e duplicações. O encontro serviu para se chegar à conclusão de que dificilmente a metade das 16 principais intervenções será concluída. Nessa lista está o Córrego Oito de Abril, a duplicação das Estradas da Guarita e Moinho, as trincheiras Santa Rosa e do Complexo Viário do Tijucal e ainda os Centros Oficiais de Treinamentos (COT’s) de Cuiabá (UFMT) e Várzea Grande (Barra do Pari), além do aeroporto, que só deve ser concluído mesmo após a Copa. Essas obras foram questionadas no relatório do TCE publicado na semana passada, apontando que 16 obras importantes estão atrasadas e quase prováveis que não ficarão prontas em tempo do Mundial.

Nossa bola murchou e já estamos vendo que muitos irão tirar o time de campo depois que o juiz apitar o último jogo dessa Copa. Não adianta mais cartão vermelho. As estratégias foram traçadas. Havia combinação de resultados. Nada foi por acaso. Nenhuma derrota foi impensada. Tudo estava nos planos. Quanto pior melhor é o jogo sujo de nossos políticos. As empreiteiras foram escaladas via SECOPA. No placar dos lucros as empreiteiras estão ganhando. No placar da Copa o Brasil pode até ganhar, mas fora de campo, já perdemos a jogo antes dele começar nos esquemas de nossas licitações. Na execução desse jogo, muita gente está saindo ganhando. Vamos todos gritar gol enquanto a politicalha mato-grossense ergue a taça. Não aquela taça de ouro, mas a do original champanhe francês. Todos eles irão comemorar os lucros dados pelos prejuízos aqui causados. Eles agora estão rindo de nossa derrota.

O Brasil entra em campo derrotado já na primeira partida.

Vamos gritar gol para nossos adversários?

*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.



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