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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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MUTATIS MUTANDIS, a cada vida uma nova mudança

Arquivo Pessoal

Hoje pela manhã, embarco em mais uma viagem da vida. Estou saindo do Oeste para o Timor Leste. Deixando tudo e todos que mais amo. Lembrei-me de um poema que escrevi:

Arrumando as malas para uma nova mudança. Uma mudança de endereço não significa uma mudança de vida. Uma mudança de casa pode ser apenas uma “mudação” do número de sua caixinha dos correios e não uma “mutação” verdadeira de vida. Um novo número, uma nova esquina. Novos lugares, novos vizinhos, novos bares, novos ares. Minhas malas não me cabem mais. Ando desterritorializando-me a cada mudança. Eu me perco aos pedacinhos em cada pedaço morado. Eu me vou com cada amigo que deixo. Ando me despertencendo a cada lugar novo. Sinto-me parte de todos os lugares que já passei e não me pertenço a nenhum deles. Me sinto descabido dentro de mim mesmo. Meus próprios cabides não me cabem mais. Minha sala de estar é não estar preso a lugar algum. Tantos endereços? Quantas cidades? Quantas idades? Vivemos muito pouco nessa terra para vivermos em um único endereço fixo. A grandeza das maravilhas desse mundo nos faz mudar a cada dia, então porque ficar a vida toda num lugar só? O que muda em mim não são apenas os endereços. Eu me mudo a cada instante. Vivo fora de casa. Vivo meus livros. Vivo em várias casas. Sou aquilo que fui de cada amigo deixado. Sou aquilo que fui de cada amor partido. A desvantagem de viver-se feito asas: é que você não se aprofunda feito raízes. A desvantagem de viver-se feito raízes: é que você não voa feito as asas. Por isso mais que uma condição natural, o homem deve mudar. Mudar de hábitos. Mudar de endereços. Mudo com as palavras que ora escrevo. Me sinto sempre como uma velha planta enraizando no novo terreiro. Em outros casos, me sinto a própria planta fora do vaso. Um cão sem dono caído da mudança. Sou como aquele menino que mora na rua, que cada dia estava dormindo em uma nova esquina. Nas esquinas da vida nós mudamos de velocidade para fazermos suas curvas. Assim como cada dia o Sol muda para noite, assim mudamos todos. Sou um quadro desajustado na parede. Uma gaveta bagunçada. Me sinto como aquilo que devesse ser mudado. Sou desorganizado e preciso mudar. Nossas casas não são nossas. Nossos territórios são como aquários. Só que nossos aquários são outros. Me sinto como um peixe fora do galho. Nos fixamos feito sedentários de uma causa familiar, parentesca ou afetiva. Assim matamos o nomadismo que habita em nós. Somos seres viajantes. Verdadeiros andarilhos sem sombras a deixar rastro de nosso passado. Aquilo que me muda eu nem sei, mas continuo o mesmo ser mutável e mutante de realidades obstruídas por um canal de visão estático no foco das andanças que me pariram em cada estrada que pisei. Cada comida. Cada bebida. Cada beijo. Cada porta batida na cara. Cada escadaria subida. Cada aperto de mão. Cada vez era um pouco de mim que ficava. Cada vez era um pouco de outros que carregava. Cada estrada uma sentença. Cada vida uma nova mudança.

*Reinaldo Marchesi - É professor universitário, mestre em Educação pela UFMT (linha: Cultura, Memória e Teoria em Educação). Pesquisa no campo da Filosofia da Educação. Leitor de Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida [Os malditos da filosofia]. Escreve todas às sextas-feiras na coluna Filosofia de Boteco.

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