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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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Uma história sobre dois reinos, uma guerra e pequenos questionamentos de um homem

Arquivo Pessoal

Alguém batia à porta.

Mário, o único morador de uma pequena casa de três cômodos de uma pequena cidade do Reino de Falastrel, já sabia do que se tratava. As notícias que foram passadas na televisão na noite anterior lhe deram o prenúncio de como terminaria sua vida, mesmo que sua existência não fosse nem percebida pela grande maioria das pessoas. Ainda assim, a caixa televisiva falava sobre ele, de forma indireta e superficialmente.

A mão bateu mais forte na porta.

Não havia pressa em atender. Abrindo os olhos lentamente, levantou-se do sofá, calçou o chinelo e foi em direção à porta de madeira – quisera ele não estar em casa naquele momento, mas não sabia quando isso poderia acontecer; e, mesmo que não estivesse, eles voltariam em outro horário… Fugir era uma ilusão. A chave girou duas vezes, a porta foi aberta.

– Bom dia. Senhor Mário? – perguntou um sujeito alto, em postura rígida, usando a farda militar verde com faixas azul escuro que passavam verticalmente sobre o ombro até a cintura, de onde faziam uma leve curva e então desciam pela parte de fora da coxa, até a bota preta e brilhante.
– Sim.
– Senhor, Falastrel precisa de você. Imagino que tenha visto nos jornais que nosso reino entrou em guerra com o Reino Tão Tão Distante. Apresente-se na base militar amanhã, às oito horas. O senhor será instruído lá.

A porta foi fechada, a chave, girada duas vezes.

O reino havia entrado em guerra novamente, por motivos não tão interessantes para ele, mas que parecia ser importante para quem a declarou. Os jornais falavam vagamente sobre um possível roubo de açúcar na fronteira dos dois reinos, em uma vila chamada Damlia, e que o mais provável suspeito era o exército do reino inimigo. Ocorre, contudo, e isso pouquíssimos sabiam, sendo em geral os que se preocupavam em ler jornais independentes e talvez não tão confiáveis, que as tropas do inimigo, segundo informações colhidas pela inteligência do reino Falastrel, estavam do lado oposto do território, e que um ataque rápido e forte nesse momento iria ocasionar, se não a derrota de Tão Tão Distante, a perda de grande parte do território desprotegido.

Para Mário, contudo, não lhe importava se o reino ganhasse ou não um pedaço de terra a mais. Sabia que, para que esse interesse fosse servido, quem marcharia para o território inimigo e fincaria a bandeira do reino sob o vento neutro da discórdia seriam ele e os demais convocados. Quem morreria caso a inteligência houvesse errado, quem seria a vítima do descaso e do interesse econômico-expansivo de um reino que preza pelos interesses de quem governa e não de quem nele vive, seriam ele e os demais convocados.

Ele também não entendia o por quê de existir algo como uma defesa permanente – ou ofensiva permanente, no caso de Falastrel. Não entendia contra o quê o reino estava permanentemente sob ameaça; se fosse contra a defesa permanente do reino vizinho, então caso nenhum reino possuísse tal força de guerra, não haveria ameaça; se a preocupação fosse quanto à economia do reino, se fossem formados reinos unidos imaginaria ou fisicamente, então resolveria-se o problema; se a raiva fosse quanto à teimosia do rei vizinho, então que lhe fosse contratada uma babá; se a hesitação fosse quanto à cultura do outro, os reinos deveriam então incentivar o intercâmbio entre pessoas e a criação de escolas internacionais.

Ele não entendia a defesa permanente, as guerras e os interesses, uma vez que os conflitos eram dados por pessoas que haviam apenas nascido em lugares diferentes, e que estavam carregando armas por ordens de outros que se dizem superiores; e, além disso, se as pessoas já possuíam uma batalha muito grande intrinsecamente, que raras exceções conseguiam ganhar e muitos outros fingiam ignorar, quanto à luta fundamental contra o próprio medo.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com


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