Olhar Conceito

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Colunas

Heinrich Böll: do amor miúdo e outras maravilhas

Stéfanie Medeiros/ Olhar Conceito

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); e que é: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre esses artistas fantásticos. Aviso feito, vamos à conversa de hoje!]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura de língua alemã. Ao final do intercâmbio, volto à nossa literatura em língua portuguesa!]

Heinrich Böll (1917-1985) é – como já dito algumas semanas atrás – um dos autores de língua alemã detentores de um Nobel de Literatura. Seu Nobel veio em 1972, e só mesmo confirmou a posição de Böll entre aqueles que mais e melhor representaram a literatura alemã do século XX.

Seu livro ,,Und sagte kein einziges Wort” (em português: “E não disse uma única palavra”), de 1953, é um dos pontos altos de sua obra. Já conversamos sobre este livro algumas semanas atrás, mas acho que a potência e a importância da obra pedem mais uma coluna.

O livro, composto basicamente por silêncios e olhares, gestos e miudezas, é de uma secura e de uma força que assustam. Os diálogos de ,,Und sagte kein einziges Wort” são mais pautados pelas coisas que ficam não ditas do que por aquilo que se diz. O amor nunca foi tão crua e rasteiramente retratado – e que bom que nos tenha acontecido haver um Heinrich Böll para assim retratá-lo.

Fred e Käte são – além de personagens muito complexa e ricamente construídos – o próprio amor: ou o que dele sobra depois que se vivencia o horror (Fred fora mandado à guerra). O fato é que felizmente sobra muito.

A relação de Fred e Käte é bordada no tecido da narração muito lentamente, uma relação construída sobre detalhes e silêncios, cotidiano e hábito. Cada gesto, cada olhar, cada pensamento de um ou de outro expostos no livro vão se somando para criar a complexidade e beleza do Amor. É tudo muito demorado, e aos poucos se vai desenvolvendo uma ternura e também uma espécie de amor que só o hábito e a convivência vão sedimentando. É um casamento. Não há grandes momentos, não há heroísmos, não há viagens e grandes declarações apaixonadas.

Há (repito) silêncios. Há uma ida ao parque de diversões. Há lanches em barracas de rua. Há café e há pão. E, acima de tudo, há um Abismo narrativamente tão bem construído em cada personagem que a impressão que se tem é a de que nosso vizinho é Fred. De que a moça que todo dia pega o mesmo ônibus é Käte. De que aquele primo ou aquele conhecido da padaria ou do trabalho é Fred.

A construção (como eu já disse, lenta) de cada personagem atinge um grau tão sofisticado ficcionalmente falando que até (e principalmente) aquilo que é menos sofisticado ganha boa representação no livro.

O amor rasteiro, maravilhosamente rasteiro, ganha seu retrato e reconstrução máximos.

A coluna de hoje infelizmente será curta porque é muito difícil tratar de um livro sem que haja uma boa tradução para o português do livro em questão. Aliás, não há nenhuma tradução deste livro, muito menos uma “boa”. Termino a coluna com um apelo aos tradutores de literatura alemã: é de maior importância que Heinrich Böll chegue ao leitor brasileiro. Somos pouquíssimos os que conseguem ler em alemão, e não é justo que os outros fiquem sem acesso a esse (aqui deixo um pouco o profissionalismo de lado para falar diretamente ao leitor da coluna) – a esse que é um dos maiores autores que eu já li na vida.

*A coluna Rubrica, publicada todas as segundas no Olhar Conceito, é assinada por Matheus Jacob Barreto. Matheus nasceu na cidade de Cuiabá/MT. Foi um dos vencedores das competições nacionais “III Prêmio Literário Canon de Poesia 2010” e “III Prêmio Literário de Poesia Portal Amigos do Livro de 2013”. Teve seus poemas vencedores publicados em antologias dos respectivos prêmios. Em outubro de 2012 participou da Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Estuda na Universidade de São Paulo e mora na capital paulista. Escreveu o livro “É” (Editora Scortecci, 2013).



Comentários no Facebook

Sitevip Internet