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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Hugo von Hofmannsthal: o poeta e a vida pública

Stéfanie Medeiros

[Antes de começar a coluna de hoje, vou repetir o aviso dado na coluna anterior (e farei isso por mais algumas semanas); a saber: “Acho interessante esclarecer algo que já me parecia claro, mas que talvez ainda não esteja: este texto (ou os anteriores, ou os próximos), este texto não é uma análise propriamente dita – lhe falta profundidade de análise, profundidade essa que nem é meu objetivo desenvolver aqui nem me caberia alcançar num texto de jornal. Este texto é uma conversa com o leitor. Apenas isso. Somos o leitor e eu sentados conversando sobre estes artistas. Aviso feito, vamos à conversa de hoje.]

[Segundo aviso: aproveito o fato de morar na Alemanha para falar hoje e nas próximas semanas sobre autores de língua alemã e/ou autores brasileiros que tiveram alguma relação com a literatura em língua alemã. Ao final do intercâmbio voltarei à nossa literatura em língua portuguesa.]

Hugo von Hofmannsthal (1874-1929) foi um poeta austríaco de considerável importância entre o final do século XIX e o início do XX. Já conversamos algumas semanas atrás sobre um de seus livros, o ,,Der Tor und der Tod” (“O Tolo e a Morte”).

Na última coluna feita sobre Hofmannsthal falei sobre o seu estilo e sobre a evolução de sua obra através das décadas. Hoje conversaremos mais sobre a vida pública do poeta.

Hofmannsthal se dedicou à poesia, ao teatro e aos libretti (textos para óperas), participou ativamente da vida política do então Império Austro-Húngaro e ainda fundou o Festival de Salzburgo, um dos maiores festivais de música clássica ainda em atividade. Percebe-se, assim, que sua presença não passou despercebida na vida pública de Viena (e do Império, de modo geral).

Seus poemas também não. Eles tiveram reconhecimento imediato entre seus contemporâneos, fato em parte devido à própria qualidade de seus versos e em parte devido aos contatos que sua família tinha entre os artistas. Aos 17 ou 18 anos, por exemplo, Hofmannsthal já tinha poemas seus publicados em jornais, como no ,,Blätter für die Kunst”, editado por Stefan George (que, na época, era um dos poetas mais influentes na literatura alemã, mais ou menos como foi Ezra Pound na literatura em língua inglesa).

De modo geral, a obra de Hofmannsthal pode ser descrita como uma obra de grande apuro formal, cuja atenção estava quase que exclusivamente voltada à tradição europeia e que exibia pouca (ou nenhuma) inovação formal. Em diversas ocasiões, Hofmannsthal (e George, além de quase todos os artistas de grande representatividade no período) expôs sua crença num ideal de literatura pura, deslocada do cotidiano e livre de qualquer influência da fala do dia a dia. O objeto de arte (poema, escultura, sinfonia) deveria criar e encerrar um mundo em si, limpo e irretocável.

Dessa visão acerca da arte já é possível deduzir que a atuação política de Hofmannsthal era entre os grupos mais conservadores do Império. Durante a Primeira Guerra Mundial, por exemplo, escreveu discursos chamando o povo à luta armada e à defesa do Império. Este colunista que vos fala não simpatiza nada com a atuação de Hofmannsthal na vida pública, mas não há como negar a genialidade artística de Hugo von Hofmannsthal. Às vezes grandes homens são artistas medíocres e homens deploráveis são gênios. Não é justo, mas a vida não é justa.

Por fim, reproduzo o poema de Hofmannsthal que também fechava a primeira coluna que escrevi sobre ele, poema este no original alemão e depois em tradução do grande poeta português Jorge de Sena (1919-1978):

,,Wuchs dir die Sprache im Mund, so wuchs in die Hand dir die Kette:
Zieh nun das Weltall zu dir! Ziehe! Sonst wirst du geschleift.”

,,Cresce a fala na tua boca, e crescem nas tuas mãos cadeias.
Arrasta para ti o Universo, arrasta! Ou serás tu arrastado.”

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