Difícil demais falar de um filme assim tão caro ao meu coração e sobre o qual alguns nomes do porte de Juca Kfouri e Mirian Goldenberg (‘Folha de S.Paulo) e Inácio Araújo, da Folhapress (‘O Tempo’), já tenham feito lá suas abordagens.
Trata-se de “45 do Segundo Tempo”, dirigido por Luiz Villaça, que, nesta quinta-feira 18 de agosto, estreia exclusivamente nos cinemas brasileiros.
Na trama vamos conhecer a história de Pedro Baresi (Tony Ramos), um palmeirense roxo e dono da tradicional cantina italiana Baresi, que reencontra depois de 40 anos seus amigos de colégio Ivan (Cássio Gabus Mendes) e Mariano (Ary França) para recriar uma foto tirada na inauguração do metrô de São Paulo, em 1974.
Além desse trio de ferro, todos com interpretações de encher os olhos, se fazem presentes pelo menos mais duas graças bem conhecidas da TV brasileira, em especial da Rede Globo, portanto, gente ligada à memória afetiva brasileira e noveleira: Denise Fraga e Louise Cardoso. Denise no papel de Lilian, mulher de Ivan, compondo um casal em processo de divórcio, e Louise na pele de Soninha, musa dos três de agora/outrora, dos tempos da adolescência, e viúva de Ernesto, o quarto da foto registrada 40 anos antes, que morrera do coração junto a uma mesa de bilhar. (Ao chegar para a foto a ser refeita (em 2014), inclusive, Pedro vai exclamar olhando, aturdido, em torno: “Mas cadê o Ernesto, o meu palmeirense preferido?”).
Além dos três jornalistas citados no primeiro parágrafo, tomo por base, aqui, elementos constantes de outro texto sobre o longa-metragem: o de Lucas Nascimento, do site de cinema ‘Nos Bastidores’, segundo o qual Villaça tempera, e muito bem, um molho numa trama de amizade, amor, perdas, questionamentos existenciais e as (possíveis mas não muito prováveis) chances de recomeçar. E com uma receita bem simples: a questão das amizades revitalizadas, “purificadas pelo tempo” como diria Gabriel García Márquez, numa fusão bem-feita de comédia e drama, acerca de gente comum vivendo as angústias e as delícias dessa tal de meia-idade.
E ainda mais: gente tão comum, gente tão humilde cujo elo mais pungente entre passado-presente e, talvez, esperança de futuro, é precisamente o futebol, esta paixão brasileira de viver e até, talvez, morrer pelo seu time do coração.
Bem, mas acontece que Pedro resolve se matar, pois sua cantina está quebrada, seu crédito na praça pifou a ponto de não ter mais bratchola, “or prato de todos os pratos”, como diriam nossos irmãos italianos, uma exclusividade da casa desde quando abriu as portas e sem a qual, por certo, não pode ficar (e nem teria a menor graça).
Ao irem para a foto e descobrir que Pedro está à beira do precipício, começa a se desatar uma ponta do novelo, pois logo Ivan percebe que apesar de rico, bem-sucedido profissionalmente, seu casamento está por um fio e seu único filho, cada vez mais distante embora sob o mesmo teto. E Padre Mariano? Ora, o padre está em crise entre a Santa Mãe Igreja e a barra da saia de certas mulheres...
E eu? Bem, acontece que sou palmeirense tal qual o Pedro da ficção e o Luiz Villaça da vida real. E Rodivaldo Ribeiro, que se não fosse a sua “viagem fora do combinado”, a exemplo do Ernesto, seria ‘o cara’ pra escrever este texto, o único e mais apropriado cara, em Cuiabá, em Mato Grosso e talvez em todo o Centro-Oeste.
Privado da sua única companhia, a cadelinha Calabresa, um mimo de “pessoa” e único ser que sentiria sua falta caso ele morresse primeiro, Pedro consulta e reconsulta os seus botões e se indaga, com lucidez de faca amolada: pra que ficar insistindo, feito um doido, feito um tonto, em levar adiante, em querer manter a todo custo uma merda de vida dessas? Além do mais, implica com a própria pança.
Ivan, por seu turno, implica com a solidão no meio da multidão e os pelos brancos que vão brotando no peito e no corpo todo. E Padre Mariano, coitado, entre o culto a Deus e à Mulher, sente o peso da angústia: “A merda, meu caro, é que eu tô é muito triste. Tô um poço até aqui de tristeza, caralho!”.
No caso de Pedro, o futebol, no entanto, acaba por significar a chance, primeiro, de adiar a automorte decretada e, segundo, de tentar seguir com a vida, já que ele, pressionado pelos amigos, aceita só consumar o ato depois da final do campeonato, pra levar o último consolo de ter visto o Palmeiras mais uma vez campeão.
Numa conversa, por telefone, com Luiz Villaça, destaquei meu encantamento particular com o Ivan interpretado com tanto acerto por Cássio Gabus Mendes. Afinal, o cara muito parece um retrato mal-ajambrado desse tal homem de bem dos dias atuais a proliferar por todos os cantos do país, pleno de contradições, gente que fala uma coisa e pratica outra, como a coisa mais natural do mundo, bem na linha dos sepulcros caiados de que fala Cristo nos Evangelhos.
Mas o Luiz, no arremate, foi mais sutil. E elegante. E gentil: “Depois de um tempo tão duro, e tão triste, eu só espero que em 1º de janeiro de 2023 o sol volte a nascer!”.
Vale.
SERVIÇO
Multiplex Pantanal: sessões às 16:30/ 21:00
Cinépolis Estação: sessões às 18:15/ 20:45
Cineflix Várzea Grande: sessões às 16:40/ 21:20