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Terça-feira, 18 de junho de 2024

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conhece um autor de MT?

Qual livro de MT merece ser 'descoberto'? OC foi atrás da resposta após ‘Brás Cubas’ bombar nas redes por indicação gringa

Foto: Olhar Conceito

Qual livro de MT merece ser 'descoberto'? OC foi atrás da resposta após ‘Brás Cubas’ bombar nas redes por indicação gringa
Recentemente, a literatura brasileira ganhou holofotes internacionais quando a influenciadora e escritora estadunidense Courtney Henning Novak leu um trecho do clássico “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis. O vídeo viralizou rapidamente nas redes sociais, assim como a dedicatória do livro, gerando interesse por obras do autor carioca e por outros títulos nacionais. A partir desse 'acontecimento literário', Olhar Conceito foi ouvir opiniões de especialistas para saber: qual livro de Mato Grosso merece ser descoberto pelo grande público? (Veja a lista dos indicados ao fim do texto)


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Em seu conteúdo, que foi publicado no TikTok, Courtney propõe um desafio: escolher uma letra do alfabeto, um país e ler uma das obras clássicas do local. Pensando nisso, o Olhar Conceito convidou alguns dos nomes da literatura mato-grossense para falar sobre o cenário regional e, claro, deixar uma sugestão de livro para quem quiser se aventurar pelo universo dos autores que escrevem em Mato Grosso. 
 
@courtneyhenningnovak I have a hundred pages left of The Posthumous Memoirs of Bras Cubas by Machado de Assis and this is already my favorite book. End of discussion. I do not care if the last hundred pages is just the word “banana” printed 10,000 times. Best. Book. EVER. #readaroundtheworld #booktok ♬ original sound - Courtney Henning Novak

Com a palavra, a presidente

Para a presidente da Academia Mato-grossense de Letras (AML) e poeta, Luciene Carvalho, falar sobre literatura é pensar em um “outro nível” de geografia. Em suas falas, a escritora sempre destaca um dos aprendizados do convívio com outro escritor mato-grossense, Mário César Leite, que escreveu “Recuerdos de mi abuela & outros estilhaços em charla”. 

“A nossa literatura é brasileira, escrita na nossa língua, ainda que seja língua portuguesa. É uma língua portuguesa, falada no Brasil, escrita em Mato Grosso. A nossa literatura é feita em Mato Grosso, mas é brasileira. E quando a nossa literatura não é conhecida, a própria narrativa de uma história ou de um lugar também fica em silêncio.”

Luciene Carvalho é presidente da Academia Mato-grossense de Letras. (Foto: Olhar Conceito)

“Então, é importantíssimo dar-se a revelar a literatura de chapadões e pantanais que está contida em Dicke. Olha o que foi de revelação e identificação a própria produção desse Manoel de Barros que nasce aqui e migra para um Mato Grosso uno, hoje dividido, mas de um mesmo Pantanal. Quando ele revela esses poetares, essas poieses, encanta um país inteiro. O silêncio e essa reiterada leitura de um Sudeste, de um Sul e de um Nordeste, essa coisa mais litorânea de um país, empobrece a literatura brasileira, empobrece a identificação de um povo”, continua Luciene. 

Em suas andanças por Mato Grosso, a escritora, que define a si mesma como uma “vendedora de livros” já que é isso que representa seu sustento, se surpreendeu ao encontrar a efervescência literária pelos interiores do estado. Ela conta que Poxoréu, por exemplo, é um grande polo de produção de literatura. Em Juína, a poeta se deparou com um jovem escritor de ficção científica que era financiado pelo próprio comércio da cidade. 

“Eu vi, ele estava do meu lado, ele era um vendedor de livros local e a cidade dava suporte para a narrativa literária dele. Em Sinop tem repentista. O que estou tentando dizer é que Mato Grosso tem suas peculiaridades regionais, Rondonópolis está numa crescente que inclui literatura e teatro surpreendentes. Tem muita gente que faz aquela literatura de jornal, de memorialismo, em Livramento. Então, existem realidades literárias de diversas maneiras, a literatura é viral, mas é espalhada”. 

Luciene deixa o nome de Ivens Cuiabano Scaff como indicação de leitura mato-grossense. “Nominar é difícil demais em Mato Grosso, eles são bons. Muitos vem da trajetória de ter estudado literatura, têm a formação do saber, estudaram aquilo. Mas tem grandes nomes que não vem, que foram pegos mesmo pela literatura. É o caso do Ivens, o meu… Tem uma turma que é de sandália de chão poético, não teve escolha, foi escolhido, é irreversível”. 

A presidente da AML cita como estratégia de valorização dos autores mato-grossenses o uso das obras como biografia sugerida de vestibulares, algo que é feito pela Unemat. Em 2019, 2022 e 2023, “Dona”, que retrata uma invisibilidade que denuncia a condição da mulher que chegou aos cinquenta anos, foi colocado no edital. 

“Em 2022 caiu uma pergunta sobre o livro Dona, meu coração, não sei porque, ficou feliz demais quando viu aquilo. E, para minha surpresa, em 2023, caíram duas perguntas. Imagina você ter seu livro, não só indicado, mas duas questões sobre ele, o percentual de importância que aquilo ganha. Então é uma estratégia que a Unemat encontrou. Isso me ajudou demais a ser conhecida em um recorte inimaginado. A gente sonha com uma UFMT que agora se comprometa um pouco mais”.

Outro olhar na Academia

Escritor e advogado, Eduardo Mahon, também ocupa a Cadeira 11 da Academia Mato-grossense de Letras. Com 30 livros publicados, Mahon explica que, há 102 anos, quando a casa cultural foi criada, o programa ideológico seguia um viés regionalista cunhado por José de Mesquita e Dom Aquino Corrêa. 

A ideia era ocupar espaço com a literatura mato-grossense, já que os jornais da época eram preenchidos com narrativas e poemas ultra românticos ou ambientados na Europa. “Quando se constituiu a Academia Mato-grossense de Letras, nos dois discursos iniciais, esses grandes intelectuais fundadores foram bem claros: Olha, nós precisamos refletir, contextualizar, dar a conhecer Mato Grosso ao mato-grossense. O desafio de 100 anos atrás, 1921, era: Olha, Mato Grosso existe, Mato Grosso não é um sertão, um nada ou um inferno verde como a galera do litoral pensa”. 


Eduardo Mahon é advogado, escritor e membro da Academia Mato-grossense de Letras. (Foto: Arquivo)

Para Mahon, a ruptura representada pela criação da Academia Mato-grossense de Letras desencadeou um ciclo de mimetismo. “O que era ruptura passou a cunhar uma tradição regionalista em Mato Grosso. Essa tradição rendeu nomes como Silva Freira, Waldemir Dias-Pino, Tereza Albues, Ricardo Dicke, o próprio Dom Aquino, Mesquita, Ulisses Cuiabano, Franklin Cassiano, Ronaldo Castro… Bons autores. E também rendeu uma carrada de repetições”. 

Apesar de defender a valorização da literatura produzida em Mato Grosso, o escritor não acredita em um discurso identitário e no “mercado na marra”. “A minha questão é: mas o mato-grossense precisa ler Mato Grosso? Essa identidade é uma identidade necessária, é uma identidade real ou fictícia, fico me perguntando isso. Será que deve ler por obrigação Mato Grosso? A minha resposta é que não, não deve. Porque como tudo mais na arte, há coisas boas e coisas não tão boas”. 

O tempo é responsável por dar protagonismo aos bons autores, na opinião de Mahon. Como exemplo de autor que passa pelo processo, o advogado cita o romancista Ricardo Guilherme Dicke, que nasceu em Chapada dos Guimarães. Dicke publicou seu primeiro livro, Caminhos de Sol e de Lua, no começo de 1960. Oito anos depois, ele publicou "O Deus de Caim", que ficou em quarto lugar no Prêmio Walmap de Literatura, em 1967. No júri estavam nomes como Guimarães Rosa, Jorge Amado e Antônio Olinto. 

“Todo mundo em Mato Grosso sabia que Dicke era o maior romancista do século 20, todos os intelectuais sabiam. Mas ele não furou a bolha, muito embora fosse conhecido de grandes escritores, não furou a bolha em função de uma carência editorial que nós tínhamos até a década de 90 em Mato Grosso”. 

“O que aconteceu? Um pesquisador descobriu o Dicke, fez o doutorado dele em cima disso e começou a estabelecer pontes com a editora Record, que publicou ‘Madona dos Páramos’. Como se trata de uma grande empresa, evidentemente potente e capaz de fazer lobbies, inclusive, junto a mídia”, explica. 

Como exemplo de valorização regional, Mahon cita a carreira do professor e escritor Santiago Villela Marques, indicação de leitura do advogado. “Nós temos um escritor que é, eu acho, muito, muito acima da média, mas era um sujeito muito tímido, então era muito fechado, era um caramujo, era muito tímido e brilhante. É o Santiago Villela Marques, publicou uns cinco, seis livros. Faleceu prematuramente, era professor da Unemat, passou um tempo e o que aconteceu? A Unemat com a política pública decidiu colocar dois ou três autores de Mato Grosso no vestibular”. 

Assim como Luciene, Mahon também exalta a iniciativa da Unemat de colocar autores mato-grossenses como sugestão de leitura no vestibular. Para ele, foi parte importante do processo para que Santiago Villela Marques começasse a ser conhecido por uma nova geração de leitores e pesquisadores. 

“Isso tudo desperta um circuito de interesse, um circuito inevitável de leitura. É um negócio sofrido e demorado, há autores bons, mas como distingui-los? Não tem como, é o tempo, o tempo volta, o tempo monstra. E, mais do que isso, o leitor. Um livro fraco pode ser devorado e consumido por milhões de pessoas, em cinco ou seis anos passa a moda, a febre e o interesse, isso dilui a memória. Um livro bom volta, por menos conhecido que seja o autor, você vai ao sebo comprar”. 

Nova geração de autores mato-grossenses 

Stéfanie Sande, Larissa Campos, Juçara Naccioli e Paty Wolff são alguns dos nomes da nova geração de autores mato-grossenses. A ilustradora e ceramista Paty Wolff, de 34 anos, inclusive, foi finalista do Prêmio Jabuti Literatura em 2022, criado em 1959 e um dos mais relevantes no cenário literário no Brasil, com o livro “Como Pássaros no Céu de Aruanda”. 

“Esses passos foram abertos para nós pela Luciene Carvalho, Divanize Carbonieri e Marli Walker. É uma nova geração que está escrevendo, que está mostrando essas histórias. Acredito que há uma valorização de ter mais editais, de fomento, para que esses jovens possam chegar. Eu sou uma escritora fomentada por um prêmio daqui de Mato Grosso, o Prêmio Estevão de Mendonça, cheguei nele como escritora revelação. Então, é isso que faz revelar novos escritores e escritoras”. 

Quando criança, Paty conta que não chegou a acreditar que pudesse alcançar lugares importantes como o Prêmio Jabuti enquanto artista. Para ela, ser finalista da premiação representa uma valorização e um salto na carreira. Apesar de ter nascido em Rondônia, a multiartista se mudou para Cuiabá aos dois anos e se descreve como de “coração cuiabano”. 


Paty Wolf, ilustradora e ceramista, foi finalista do Prêmio Jabuti Literatura em 2022. (Foto: Olhar Conceito)

“Chego num momento de valorização, pego esse lugar que já vinha sendo desbravado antes, não que não seja árduo ainda, mas chego nesse momento de valorização de artistas de outros lugares fora do eixo Sul/Sudeste. Outros lugares tem chegado, as pessoas têm buscado ler esses outros brasis”. 

“Estamos valorizando essa inteligência, essa intelectualidade, na escrita, além de valorizar todo um arcabouço que vai trazer nessas memórias e histórias que vão ser contatadas a partir desses territórios. Sempre no plural, porque é plural demais o nosso Brasil. Mato Grosso também merece ser lido, ter todas essas histórias contatadas e, por que não, por autores daqui”, ressalta. 

Mercado editorial em Mato Grosso 

Em 1998, Ramon Carlini fundou a editora Carlini e Caniato, que nasceu em Cuiabá e segue publicando novos nomes da cena literária regional há 26 anos. Para Ramon, a produção mato-grossense é incansável, mesmo que nas adversidades. 

“Hoje existe um grande número de autores, estão surgindo novos autores, está vindo uma juventude, jovens começando na literatura. Tem um pessoal que produz e são incansáveis, não param de produzir, de escrever. A gente está sempre pensando em maneiras de editar, de por esse livro no mercado, oferecendo esse livro em feiras que temos participado. Existe um número muito grande de autores”. 

Ele também foi responsável pela idealização do projeto Literamato, em parceria com a Associação Mato-grossense de Inclusão Sociocultural (Amiscim) e Paulo Traven, que distribuiu mais de 50 mil exemplares de autores regionais entre outubro de 2021 e dezembro de 2023. A iniciativa foi descontinuada por falta de recursos, mas é descrita pelo editor como uma das possibilidades de fomentar a escrita de Mato Grosso. 

Stéfanie Sande e Larissa Campos lançaram livros recentemente. (Foto: Arquivo)
Stéfanie Sande e Larissa Campos lançaram livros recentemente. (Foto: Arquivo)

“A ideia era conseguir recursos, através de emendas parlamentares, e fizemos o projeto para distribuir livros nas escolas públicas, gratuitamente, levando os autores para conversar com os alunos. É aí que funciona, os jovens ficam alucinados, leem, discutem. Na própria Unemat já começam a ter dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre autores mato-grossenses ou de Mato Grosso que aqui vivem e sobre publicações literárias. Isso deu muito certo”. 

De acordo com Ramon, as obras feita em Mato Grosso não possuem temáticas apenas do território, já que a literatura é universal. Mas, para ele, a possibilidade de identificação e proximidade com os autores é algo que encanta novos leitores. 

 Um editor não vive só do amor ao livro ou aos autores, ele é um empresário, ele precisa vender, precisa ter lucro e gerar recursos dentro da empresa para mantê-la aberta. Esses projetos como o Literamato acabam gerando toda uma economia do livro. 

“Tenho certeza absoluta que o leitor pega, por exemplo, um livro da professora Cristina Campos, que é uma pessoa bem atuante na literatura, doutora em literatura, crítica literária, editora, revisora, é uma pessoa bem completa… Se algum leitor procurá-la ou quiser dar um telefonema para conversar, ela vai atender, vai ouvir, vai falar. Também tem essa coisa de conhecer seu estado, sua cultura, seus costumes, seu povo, sua geografia, seus problemas sociais e por aí vai”. 

Apesar das dificuldades, Ramon não deixa de acreditar na literatura mato-grossense. “Não vejo a minha vida sendo diferente disso”, resume o editor. No entanto, ele sonha com mais oportunidades de valorização, já que a ausência dela, por vezes, deixa o processo mais cansativo. 

Nos 26 anos de editora, por exemplo, não houve política de compra de livros por parte do governo do Estado, lamenta Ramon. Algo que, para ele, gera estranheza, já que ele conhece de perto a qualidade das obras produzidas em Mato Grosso. 

“Tem tanta gente querendo ler os livros dos nossos autores, temos tantos autores que estão sendo ovacionados pela crítica. Então, acho que falta uma consideração com o trabalho de autores, editores, livreiros e por aí vai. Não estou me lamentando, porque senão teria até desistido. Mas será que Luciene Carvalho é tão ruim assim? Será que o que ela faz é ruim? Claro que não, não é por aí. Então, é assim que a gente se sente às vezes, mas a gente não desiste”.

Livros indicados: 

Luciane Carvalho - Haluares: 101 Haikais & Outros Versos Luares (Ivens Cuiabano Scaff)
Eduardo Mahon - Sósias (Santiago Villela Marques)
Paty Wolf - Chão Batido (Juçara Naccioli)
Ramon Carlini - Não opinou 
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