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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Após atuar nas queimadas de 2020, Ampara Silvestre constrói base fixa com centro cirúrgico no Pantanal de MT

Foto: Reprodução

Após atuar nas queimadas de 2020, Ampara Silvestre constrói base fixa com centro cirúrgico no Pantanal de MT
Em 2020, o responsável técnico da Ampara Silvestre, Jorge Salomão, foi o primeiro veterinário a chegar no Pantanal mato-grossense para atuar no resgate dos animais feridos pelo fogo. Impressionado pela dimensão do estrago provocado pelas queimadas, Salomão ligou, imediatamente, para pedir reforços à presidente da ONG, Juliana Camargo. Do trabalho emergencial de resgate e acolhimento dos animais sequelados pelo fogo, nasceu uma base fixa em uma área de Porto Jofre, em Poconé (214 km de Cuiabá), que vai funcionar como centro cirúrgico, além de possibilitar o intercâmbio de biólogos e pesquisadores do bioma.

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“O Jorge pediu para virmos para cá, porque a gente precisava da força da Ampara inteira. Eu não tinha noção do que me aguardava, porque, até então, eu nunca tinha me metido em uma situação como essa, eu atuei em Brumadinho e Mariana, nas catástrofes das barragens, mas foi exclusivamente com cães e gatos. Digamos que esse ambiente para mim é mais confortável no sentido de conhecer e saber o que fazer. Com animais silvestres, olho para o Jorge e peço para ele me falar o que fazer, porque preciso da orientação. Quando cheguei aqui, falei: meu Deus do céu, por onde a gente começa?”. 

O desastre provocado pelas queimadas queimou 4,5 milhões de hectares do Pantanal entre janeiro e novembro de 2020. Um estudo realizado por 30 pesquisadores que atuam na Embrapa Pantanal, ICMBio, Ibama, INPP, UFMT, UFMS, UFRJ, Fundação Meio Ambiente do Pantanal, Instituto Smithsonian (Estados Unidos), entre outras instituições, estima que, pelo menos, 17 milhões de animais vertebrados morreram em consequência direta do fogo que destruiu parte do bioma. 

Cobras pequenas, principalmente as aquáticas, foram as vítimas mais recorrentes e somam 9 milhões de mortes. O estudo foi submetido ao periódico Scientific Reports, do grupo Springer Nature, em 2021, para avaliação de outros cientistas. Quando chegou em Mato Grosso, Juliana encontrou um Estado sem estrutura para atendimento de fauna e percebeu que os animais dependeriam 100% da ajuda da Ampara Silvestre. 

Para conseguir começar a trabalhar no Pantanal mato-grossense, a presidente da ONG decidiu lançar uma campanha virtual para arrecadar o dinheiro necessário para resgatar e cuidar dos animais feridos pelas queimadas. Juliana se surpreendeu com a arrecadação de R$ 2 milhões em 24 horas. Por não ter experiência com aquele tipo de cenário, ela suspendeu a “vaquinha” sem saber que o valor seria insuficiente para continuar o trabalho da Ampara Silvestre em Mato Grosso.
 

Ampara Silvestre arrecadou R$ 2 milhões com 'vaquinha' virtual para ajudar animais durante queimadas no Pantanal de Mato Grosso. (Foto: Reprodução)

“Eu, muito ingenuamente, não sabia o que me aguardava, fiquei assustada com aquela quantidade de dinheiro e mandei suspender a vaquinha. De novo, não sabia o que me aguardava, não sabia que ficaríamos atuando aqui anos com animais sequelados pelo fogo”.
 
Com o dinheiro arrecadado, a ONG, que nasceu em São Paulo (SP), instalou cinco bases na Transpantaneira, Porto Jofre, Barão de Melgaço e Sesc Pantanal, uma delas em parceria com a UFMT. Cada uma funcionava com pelo menos cinco veterinários contratados. Em determinado momento de 2020, a Ampara Silvestre teve dez carros alugados atuando simultaneamente nos resgates.
 
“Gastamos os R$ 2 milhões em quatro meses, bateu o desespero: E agora? Fizemos outra vaquinha para ver se a gente conseguia, mas já tinha esfriado e passado o calor do momento. O fogo já tinha apagado, a gente dorme com um problema e acorda com outro, vieram outras prioridades e passou. Começamos a pedir ajuda das empresas, porque eu ainda tinha animais em recuperação. O Sesc Pantanal foi super parceiro, permitiram com que a gente mantivesse a base lá sem pagar hospedagem e alimentação, deram espaço para estruturar o recinto, colocaram a mão de obra para trabalhar junto com a gente”.
 
A parceria com o Sesc Pantanal possibilitou que o trabalho continuasse mesmo com orçamento pequeno. “Tivemos que desativar algumas bases, a Pousada Rio Mutum desativamos depois de um ano. Até hoje a gente mantém um contato, porque muitos animais foram feitos soltura branda, que você abre os recintos e os animais vão e vem. Então, as araras voltam para comer”.
 
Base fixa em Porto Jofre
 

Como a segunda arrecadação para continuar o trabalho Pantanal mato-grossense não gerou o recurso necessário e a Ampara Silvestre ainda tinha que lidar com as consequências deixadas pelos incêndios, mesmo depois que eles já haviam sido extintos, Juliana foi em busca de recursos com a iniciativa privada. Foi quando a presidente da ONG decidiu comprar uma área de 100 hectares no Porto Jofre, em Poconé.
 
“Na época, não tínhamos para onde levar duas antas que estavam em recuperação com a gente, não era justo colocá-las no zoológico ou em um lugar que não cuidariam como estávamos cuidando. Foi quando decidimos comprar uma área de 100 hectares no Porto Jofre, com ajuda da Marfrig, porque na época eles já estavam trabalhando com conflito aqui na região. Além de comprar a área, começamos a construir o pronto-atendimento”.
 
Juliana explica que, até o momento, o custo de construção da base em Porto Jofre já chegou a R$ 2 milhões. “Já construímos cinco recintos, alojamento, o contêiner que é o centro cirúrgico veterinário e um galpão para colocarmos os equipamentos. Se acontecer outro desastre, não vou ter que mandar mais os animais para outros lugares, implorar por um helicóptero para transportar um animal morrendo”.
 
A presidente da Ampara Silvestre conta que o projeto “anda em dois tempos”: o da burocracia e o de estruturação da área, que já está pronta para receber os animais. Como ainda não possui licença, a base de Porto Jofre vai funcionar em parceria com a secretaria estadual de Meio Ambiente (Sema).

Juliana afirma ter ficado impressionada com a dimensão do estrago feito pelo fogo no Pantanal. (Foto: Reprodução)

“Hoje, nós estamos anexos à Sema até que nossa licença saia e possamos termos autonomia para resgatar. Agora estamos construindo um recinto de araras, a estrutura está incrível, o estado não tem nada parecido e é isso que me alivia o coração de todo o trabalho e desgaste, porque fazer uma obra no Porto Jofre é muito difícil, mão de obra e equipamento. Os gastos extrapolaram o que a gente imaginava porque a gente não contabilizou o deslocamento para que as coisas chegassem lá e literalmente foi o dobro do que planejamos”.
 
O local vai contar com uma equipe fixa para os atendimentos e Juliana também ressalta a vontade de que a base de Porto Jofre funcione como um centro para recepção de cientistas do mundo inteiro que queiram contribuir com o Pantanal. A presidente da Ampara Silvestre afirma que as portas estarão sempre abertas para voluntários para que a tragédia de 2020 não se repita. De acordo com ela, a prevenção é sempre a melhor solução.
 
“Queremos fazer programa de ecovoluntário, eu mesma, nas minhas andanças da vida, sempre fiz programas de ecovoluntário para poder vivenciar aquele ambiente, ter uma chance de ajudar os animais, então queremos implantar um turismo de ecovoluntário na nossa base. Já tem gente interessada, já tem gente me perguntando se pode começar a vender e trazer ecovoluntário do mundo inteiro para cá”.
 
Ansiosa para a inauguração da base fixa da Ampara Silvestre em Porto Jofre, Juliana conta que gostaria que o início dos trabalhos fosse em 12 de novembro, quando é celebrado o Dia do Pantanal. “Queria que fosse nessa data, porque é muito simbólica para nós. Tenho Pantanal tatuado, tem coisas que a gente não explica na vida. A  Ampara nunca quis ter mais uma base, nosso foco sempre foi prevenção, nunca pensei em atender diretamente os animais, embora a gente tenha veterinários incríveis, nosso foco sempre foi pesquisa e ciência para prevenção, para evitar que os animais vão parar nos cativeiros”.
 
Ela se emociona ao falar sobre a relação que desenvolveu com a fauna do Pantanal em meio ao desespero que viveu durante os resgates de animais feridos pelas queimadas em 2020. “O desespero que foi pegar um animal e não ter para onde levar, ter contato direto com a Sema e saber que tenho uma onça fechada em uma grade, de no máximo 1 metro, esperando para um lugar onde possa ser direcionada, isso dá desespero. Não é possível que um lugar com essa biodiversidade e com essa riqueza não tenha um lugar para que os animais sejam atendidos com dignidade”.
 
Juliana ressalta o potencial econômico da região do Pantanal, que recebe turistas do mundo inteiro, diariamente, interessados na observação de animais de vida livre. “É a prova de que os animais podem valer mais vivos do que mortos. Quando você chega no Porto Jofre e vê 30 barcos na água, de turistas internacionais. Quando você fala em Pantanal, as pessoas só pensam em Mato Grosso do Sul, nunca ouviram sobre Porto Jofre, aqui é o único lugar que você chega e vê uma onça-pintada no rio. Precisamos de uma união de forças”.

Trabalho feito pela Ampara Silvestre no Pantanal de Mato Grosso não parou após queimadas de 2020 cessarem. (Foto: Reprodução)

Cultura de doação no Brasil
 
A captação de recursos feita pela Ampara Silveira durante as queimadas de 2020 no Pantanal, não voltou a se repetir para criação da base em Porto Jofre, já que o projeto contou com financiamento da Marfrig. Atualmente, a Ampara Silvestre é sustentada pela Ampara Cães e Gatos, como conta Juliana. Para ela, os brasileiros ainda não têm a cultura de doar por conta do preconceito com ONGs.
 
“Falo que os bons pagam pelos maus. Grandes corporações que fundaram suas próprias ONGs para reinjetar recursos. Na época das queimadas tinham vaquinhas, gente pedindo dinheiro na internet, a gente ia pesquisar a associação não existia. As pessoas querendo ajudar, acabavam mesmo mandando recurso. Infelizmente, tem muita gente que se aproveita da boa fé. Hoje, por exemplo, essa iniciativa aqui está sendo sustentada com recursos de outros projetos”.
 
Apesar disso, a presidente da Ampara Silvestre acredita que a medida em que o trabalho da base de Porto Jofre for sendo entregue a sociedade, será possível mostrar na prática a importância da atuação da ONG no Pantanal de Mato Grosso. Ela explica que, pela primeira vez, a Ampara conta com um departamento de captação de recursos, por exemplo.
 
Em Mato Grosso, Juliana encontrou a parceria do veterinário Paul Raad, que desenvolve o trabalho de mapeamento de onças-pintadas na Pousada Piuval. A ideia é de que Paul desenvolve o mesmo trabalho na região do Porto Jofre, onde a base da Ampara Silvestre está sendo construída. “A base dele fica na Pousada Piuval, que foi super importante, porque além deles abrirem as portas para receberem o Paul enquanto a gente não tinha também a nossa base, eles compraram a ideia. Brinco que vamos dividir, o Paul vai ficar metade aqui e metade lá”.
 
A presidente da Ampara Silvestre também se emociona ao falar sobre o encontro com Paul, já que se impressionou com o nível de comprometimento que o veterinário tem com o trabalho que desempenha no Pantanal mato-grossense. A identificação entre os dois foi imediata, conta Juliana, que se dedica 100% ao trabalho na ONG. “Sou casada com a Ampara Silvestre”, brinca durante a entrevista.
 
“Quando conheci o Paul foi amor à primeira vista, porque ele é alma, entrega é verdade, até me emociono de falar, porque me vi muito no desprendimento pelo objetivo. É a coisa mais importante da vida dele, na hora entendi completamente esse desprendimento e essa entrega, que é tão raro ter. Falei: como podemos somar e ir junto nisso? Foi assim que tudo isso começou, por objetivos em comum, encontro de almas e de propósitos”.
 
Sobre a Ampara
 
A Ampara nasce em agosto de 2010, pela coragem de Juliana Camargo e Marcele Becker em tirar diversos animais da situação de rua. Em 5 anos de trabalho pesado, a Ampara consegue se tornar a maior OSCIP de proteção animal do Brasil, com o maior número de animais amparados.
 
Em 2016, a instituição ganha uma nova frente de atuação, a Ampara Silvestre. Iniciou suas ações como aceleradora de projetos, incentivando e investindo em iniciativas focadas em conservação de espécies ou no bem-estar de animais condenados ao cativeiro.
 
Hoje já são mais de 10 projetos em andamento, atuando em diferentes frentes! Com o objetivo de proteger e dar voz à fauna brasileira, incentiva a conexão e o respeito dos brasileiros com sua biodiversidade. Atua pela conservação e bem-estar dos animais silvestres, com foco no combate às principais ameaças da nossa biodiversidade.
 
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