Morte, traição e futebol. Tragédia e comédia embaladas com muito sarcasmo mostraram, desde o começo do espetáculo, que o estilo rodriguiano imperava ali. Na noite da última quarta-feira (17) o Cine Teatro de Cuiabá recebeu o espetáculo “A falecida”, da Cia. Paulista de Artes.

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O texto é de Nelson Rodrigues, dramaturgo e jornalista brasileiro que nasceu em Pernambuco, mas viveu no Rio de Janeiro desde criança. A história é a seguinte: Zulmira, uma dona de casa, é casada com Tuninho. Ela vai a uma cartomante e ouve que precisa tomar cuidado com uma “mulher loura”.

A partir daí, Zulmira desconfia de sua prima Glorinha – parente distante que mora na mesma rua que ela – e pretende humilhar a rival tendo um enterro triunfal, o mais chique que já se viu na cidade. Isso porque Zulmira está com problemas no pulmão, o que descobrimos mais tarde ser tuberculose. 



A trama se desenrola e – como na maioria das peças de Nelson Rodrigues – só entendemos realmente a história no final. Na verdade, Zulmira tinha um amante muito rico que pagaria seu enterro. Ela o conheceu em uma sorveteria e manteve um relacionamento porque tinha raiva do marido que, segundo ela, “lavava muito as mãos” durante a lua de mel.
Toda a peça é marcada por símbolos do futebol. O figurino de todos os personagens – com exceção de Zumira – é formado por camisetas de times do Rio. Quando a dona de casa morre, por exemplo, o comentário dos amigos de Tuninho é: “Mas que azar! A mulher morreu bem na véspera do jogo do Fluminense e Vasco! E o enterro será na hora do jogo! Muito azar”.

A cena final, no entanto, mostra que Tuninho, após descobrir a traição de sua mulher – agora falecida – pega o dinheiro do amante para si, e faz para Zulmira um enterro “de cachorro”. Além disso, o torcedor do Vasco vai ao jogo, como se nada tivesse acontecido. Mas cai de joelhos no campo quando se lembra da esposa morta – que está em espírito assistindo ao fim de seu corpo terreno.



Um texto politicamente incorreto, como uma boa dramaturgia rodriguiana deve ser. Zulmira e Tuninho, por exemplo, tiram sarro de Glorinha porque ela teve câncer e ficou com só um seio, o que seria vergonhoso quando fossem vestí-la para colocar no caixão.

A trama ainda mostra o trabalho sujo das funerárias, que inflam os preços e buscam o lucro sem respeitar a família do defunto. Os atores são um show à parte. Lucélia Santos, Eduardo Silva, Walter Breda e diversos outro dão vida aos personagens com leveza e perfeição.

Durante toda a peça, um narrador fica à esquerda do palco, digitando em uma máquina de escrever e falando o que vai acontecer no palco: é, com certeza, uma representação do autor Nelson Rodrigues, que falou o tempo todo como se estivesse fazendo uma narração de futebol.

O espetáculo aconteceu em Cuiabá também na terça-feira (16). A peça faz parte do projeto “A falecida na Copa”, com oito apresentações em capitais que sediarão jogos da Copa do Mundo FIFA 2014.