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Era do Consentimento

Viagem orgásmica, o sexo inglês e como ninguém se basta

12 Jun 2013 - 16:51

Cecília Neves - Especial para o Olhar Conceito

De alguma forma, temos a impressão de que nós bastamos para o outro, quando não somos suficientes nem para nós mesmos. E digo isto não somente em relação ao sexo, mas também considerando o intelecto, o emocional, o físico e tudo o que envolve ser uma pessoa, ter uma essência e fazer parte deste mundo.

Estamos buscando crescimento pessoal, e alguém que estimule isto, que nos faça querer ainda mais do que um dia desejamos para nossas vidas. A rotina, tão criticada, faz parte do desenvolvimento, parte de ser adulto. Fugir da rotina também é pedaço essencial do ser humano. Ninguém substitui a pessoa amada, ninguém substitui o companheiro que segura sua mão quando parece que não dá mais para se aguentar em pé. Mas ninguém, nem mesmo nós, podemos repor uma vida que passou.

Esta é a história de Otávio. Apesar de ter viajado e estudado na mesma turma que ele, não sei quase nada sobre Otávio. A única coisa que me lembro é que, quando eu, ele e mais 49 pessoas estávamos no avião em direção à Europa, Otávio e a namorada fizeram um trato: estavam juntos oficialmente, mas se qualquer um dos dois quisesse ficar com um francês, inglês, italiano ou qualquer outro estrangeiro, estariam livres para fazê-lo sem magoar o outro. 

A notícia correu o avião em poucos minutos. Lembro-me que na época estava com uma edição de Persuasão, de Jane Austen, que ao invés de ler, usava para anotar os emails das pessoas que conhecia. Minha futura colega de quarto comentou o fato comigo: “Que coisa mais nojenta. É muita promiscuidade para uma pessoa só”, ela havia dito.

Eu fiquei quieta. Não podia falar nada, e nem saberia o que dizer. Mas no fundo, achei a atitude dos dois sensata. Embora hoje em dia não fosse concordar pelo fato de a menina ser menor de idade, não pensaria duas vezes em defendê-la. Mas por não saber muito bem como me expressar sobre estes assuntos, fiquei quieta, de forma que o avião inteiro continuou a difamá-los sem que ninguém contrariasse.

Quando finalmente aterrissamos, todos já tinham externado sua opinião. Mas eu não conseguia mais pensar sobre o caso. Estava, finalmente, depois de ter desejado este momento por anos, em terras além-mar. Era inverno, e eu, acostumada com o calor de Cuiabá, senti pela primeira vez o que é o frio de verdade, o frio cortante, o frio que paralisa as pessoas, vence guerras e protege seus bens naturais. A primeira coisa que fiz ao sair do aeroporto foi assoprar. E da minha boca saiu aquela fumaça de quando o ar quente se encontra com o frio, e flutuam em uma valsa que só se vê acima dos trópicos.

E foi quando percebi que tinha um mundo inteiro que eu não conhecia. E que aquele mundo era só uma pequena parte de um todo muito maior, muito mais rico, muito mais cheio de pessoas. Queria o mundo todo, queria conhecer todas as pessoas, fazer sexo com todas as nacionalidades, descobrir as diferenças de todos os beijos, aprender todas as línguas.
Por conta da idade (16 anos), não descobri qual a grande diferença do beijo francês para o brasileiro, e nem sei se os ingleses fazem sexo de forma diferente. Mas sei que, cinco anos depois, ainda quero descobrir. E sei que quero estar com alguém que queira que eu descubra estas coisas, como Nikolai.

De alguma forma, temos a impressão de que nós bastamos para o outro, quando não somos suficientes nem para nós mesmos. E digo isto não somente em relação ao sexo, mas também considerando o intelecto, o emocional, o físico e tudo o que envolve ser uma pessoa, ter uma essência e fazer parte deste mundo.

Hoje, enquanto escrevo este texto, vi uma menina de pouco mais de doze anos postar no facebook: “relacionamento é que nem uma moto: só tem espaço para dois”. Depois que ela me iluminou com este pensamento, descobri o motivo de o Pronto Socorro estar lotado e porquê os acidentes de motocicleta estão sempre no topo das listas em quantidade e gravidade.

De alguma forma, temos a impressão de que nós bastamos para o outro, quando não somos suficientes nem para nós mesmos. E digo isto não somente em relação ao sexo, mas também considerando o intelecto, o emocional, o físico e tudo o que envolve ser uma pessoa, ter uma essência e fazer parte deste mundo.

Estamos buscando crescimento pessoal, e alguém que estimule isto, que nos faça querer ainda mais do que um dia desejamos para nossas vidas. A rotina, tão criticada, faz parte do desenvolvimento, parte de ser adulto. Fugir da rotina também é pedaço essencial do ser humano. Ninguém substitui a pessoa amada, ninguém substitui o companheiro que segura sua mão quando parece que não dá mais para se aguentar em pé. Mas ninguém, nem mesmo nós, podemos repor uma vida que passou.

Nikolai (meu companheiro) não cabe em si mesmo. Ele diz que sonha em saber como é uma mexicana, de saber como é ela toda. Talvez não seja nem um pouco diferente do que ele já conhece, mas talvez seja. E por que eu, de todas as pessoas, a que o ama mais profundamente, iria querer que ele parasse no tempo por mim? Quando se ama, se cresce junto. E junto não significa grudado, preso, algemado, mas sempre apoiando os sonhos e desejos um do outro, e cuidando para que a pessoa não caia, e estando lá para ampará-la se ela cair.

Às vezes é difícil concordar com o sonho do outro. Mas um sonho só morre se as pessoas deixarem. Os que se amam deviam ser os últimos a condenar o espírito livre de seus companheiros.

Temos a liberdade de ser quem quisermos. Falta agora ter a coragem para fazer isso. Se um homem trai sua esposa, claramente algo está errado. Talvez com ela. Talvez com ele. Muito mais provavelmente com ambos, que não estão sendo honestos em admitir o que realmente querem.

Querer outra pessoa é natural. Querer sentir outra vagina, outro pênis, outra pessoa, outro país, outra cultura, faz parte de ser. Disseram-me diversas vezes que este tipo de pensamento reflete a decadência da união, da família, do casamento. Isto não é verdade: este tipo de pensamento reflete uma reestruturação que começou há muito tempo nas pessoas, mas que agora mostra as caras sem medo, porque sabe que não volta atrás, mas sim que vai muito longe.

Querer outra pessoa não faz você querer menos seu companheiro. Algumas experiências são temporárias, a maioria dura pouco no tempo cronológico, mas dura muito no relógio psicológico de alguém. Com o amor é o contrário. Dura muito no tempo cronológico e emocional, não se perde com um beijo roubado de outra pessoa, nem com o sexo feito com outro rapaz.

Nenhuma outra experiência vai substituir aquele momento em que sai do aeroporto, parei na calçada e fiquei olhando a fumaça dançar para fora da minha boca, impressionada com o frio, com o estar longe de casa, com estar me realizando. Isto aconteceu há cinco anos, mas toda vez que paro e lembro da fumacinha saindo de mim, meu coração se aquece, e com o calor, aquece Nikolai também.


*Cecília Neves é escritora, curiosa sobre o sexo e quer que você compartilhe experiências pelo e-mail cecilia.neves25@gmail.com

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