Olhar Conceito

Terça-feira, 30 de abril de 2024

Colunas

Uma história sobre uma casa verde, uma velhinha e três vasos de flores

Arquivo Pessoal

Quando com sete anos, todos os dias pela manhã Carlos ia com sua mãe comprar pão, descendo a rua de casa por quatro quarteirões. Iam à pé, como um costume já bastante enraizado em suas vidas, e o chinelo batia no chão de pedra da calçada com a preguiça matinal. No caminho, passavam na frente da casa da dona Amélia, uma feliz senhora de 77 anos que todos os dias estava irrigando os três vasos de plantas que ela mantinha na janela que dava de frente para a rua. A casa verde destacava-se entre seus vizinhos branco e bege, e as flores vermelhas e azuis destacavam ainda mais a singularidade da casa.

“Bom dia, dona Amélia!”, gritava sua mãe quando passavam em frente à casa dela. “Bom dia, Maria! Bom dia, Carlinhos!”, dizia, acompanhado de um sorriso caloroso – uma resposta que era sempre confortante, por mais perturbada que a alma pudesse estar.

Bom dia. Era a isso, basicamente, que resumia o contato que eles tinham com a dona Amélia. Ora ou outra, contudo, encontravam-se em festejos do bairro, como na festa junina do ano anterior, em que ela ficou apertando sua bochecha por minutos a fio, incansavelmente, e ele começava a se perguntar se ela não estaria roxa quando a dona Amélia finalmente o largou. Ainda assim, a velhinha de 77 anos era muito querida por todos, e sua presença era sempre convidada para qualquer evento que fosse feito, em especial se envolvesse comida – ela fazia um Maria Isabel delicioso! – ou crianças, esses pequenos adultos, como ela dizia, e que tanto adorava apertar.

Para Carlos, ela era a velhinha simpática do bairro, alguém que conhecia quando via, e que cumprimentava todas as manhãs quando passava em frente à casa verde com os três vasos de plantas.

Naquele dia, contudo, ela não estava na janela, e, por um breve momento, sentiu-se perdido sem o sorriso matinal que recebia em troca, embora nunca tenha dado muito valor a ele. Sua mãe ficou olhando para a janela aberta com o olhar levemente vazio, mas não disse nada. Talvez ela tenha perdido a hora, imaginou. A que horas será que ela levantava? Devia ser bastante cedo, pois eles sempre passavam lá por volta de seis e meia da manhã, e a dona Amélia já estava em pé, aguando suas plantas. Realmente, acordar tão cedo todos os dias é bastante cansativo, e, morando sozinha como ela morava, não teria quem acordasse ela quando perdesse a hora.

No dia seguinte, a dona Amélia também não estava na janela. No terceiro dia, as plantas começaram a murchar.

– Mãe, por que a dona Amélia não agua mais as plantas dela? – perguntou o menino.

– Ela viajou, filho, foi visitar a família dela.

– Eles moram longe?

– Não muito.

– Espero que ela volte logo, estou começando a sentir falta dela.

Alguns dias depois as folhas secaram, e já não havia mais pétalas vermelhas e azuis; a casa verde era, então, o único colorido que havia restado no bairro.

*Augusto Iglesias é estudante de Medicina e ora ou outra se atreve a escrever. No anseio de ambas as profissões, vai vivendo o dia a dia. Contato: augusto.iferreira@gmail.com


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