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Terça-feira, 30 de abril de 2024

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Diário de bordo: O peso de uma reportagem na dinâmica social

Uma das coisas que fez a diferença na minha formação, foi uma bela "comida de rabo" - calma, isso é uma metáfora! - que a professora Mariângela López me deu em uma aula de radiojornalismo. Eu tinha que fazer uma reportagem e, como já tinha trabalhado com produção de áudio, tinha certa habilidade pra isso e caprichei na edição. Entreguei o trabalho, feliz e orgulhoso. Mas a professora jogou meu ego no chão: "tá bonito, mas não é jornalismo".

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Fiquei puto, esperneei e tal. Essas coisas que faz um "cabro chico" - expressão chilensis - quando acha que estão duvidando de seu talento. Mas se tenho alguma qualidade é a de ficar com raiva da pessoa, mas nunca deixar de pensar no que ela me disse. E pensei. E entendi. Estava confundindo as coisas. Escrever bem, editar bem, ou mesmo fotografar bem não significa poder fazer jornalismo. Porquê? Caco Barcellos me respondeu isso em uma de suas palestras: "o jornalista tem responsabilidade sobre o que fala".

Vamos lá, porquê estou falando disso? Porque fiquei por dentro da lamentável notícia de que mataram uma mulher no Guarujá por acreditarem que era uma sequestradora de crianças. O desenrolar da história mostrou que não era ela. Nem na foto, nem na informação textual da tal "notícia". O material foi divulgado por uma página do facebook, Guarujá Alerta.

É aí que entra a bronca da professora. Considero que ela me salvou de entrar em roubadas como o pessoal dessa página entrou. Afinal, é bacana, é cool e faz bem pro ego possuir uma página "jornalística" influente, com milhares de seguidores, sentir o gosto do poder que isso te dá. Mas a influência de atingir tanta gente trás uma responsabilidade enorme. E aí você vê quem é quem. A falta de profissionalismo - e de jornalismo - fez com que a tal página, mesmo sem querer querendo, sugerisse uma acusação da qual não tinha nenhuma garantia. E uma pessoa foi morta. O Caco Barcellos, citado anteriormente, também falou disso em um prorgama da Globo News: "Eu já vi repórter fazer acusação ao vivo. Que critério de checagem você tem se você está ao vivo?" 




Claro que a morte da mulher do Guarujá tem muitos outros fatores. Como em um acidente aéreo, é um conjunto de erros. Desde os que propagaram a notícia até os executores. Mas existe algo em comum à todos e o que vou dizer vai soar elitista, mais é a meu ver um problema sociológico. A falta de instrução e o "tudo de qualquer jeito". Como disse um amigo meu, não há nada mais perigoso que um burro motivado.

Me recordei também de um texto do fotógrafo André Liohn, que li uns dias atrás, onde contesta o tal jornalismo cidadão e alguns comportamentos de coletivos como o Midia Ninja. Publicar e ganhar prêmio todo mundo gosta, mas assumir responsabilidades, aí é "peraí, não é bem assim". Acontecia algo parecido com o CQC. No programa eram jornalistas. Na justiça, comediantes.

Então, amigos...entendam. Jornalismo é informação e responsabilidade. E a coragem de assumir as consequências do que diz. Seja você um independente midialivrista, dono de canal na web ou repórter da Globo (burguês! Vamos tacar fogo! hahaha). E pelo amor de Deus não tenha orgulho de ser burro. Se for, fique longe do jornalismo. Pode ser fatal.

*Lucas Ninno é repórter fotográfico pela United Press International (UPI) e reside atualmente no Chile.

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