Mesmo sem conhecer a fome de perto, Rosemari Benedita Correa Schecola, de 55 anos, sabe que um estômago vazio pode doer profundamente. Na avenida Marechal Deodoro, em Cuiabá, onde funciona o Restaurante da Meire, que leva o apelido de Rosemari, a mulher simpática e sorridente ficou conhecida como "mãe Meire", pelas pessoas em situação de rua que fazem fila por uma das marmitas doadas por ela.
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A comida é colocada carinhosamente em embalagens de isopor, as mesmas que são usadas pelos clientes do restaurante que pegam comida para levar. Meire e o marido, Paulo Roberto Schecola, de 60 anos, se adiantam para explicar que as marmitas são feitas com o que sobra no buffet e nas panelas, já que temem que algumas pessoas achem que são "restos dos pratos".
"Não poderia jogar essa comida fora, sobra tanta coisa. É pecado. Mas faço questão de entregar nas embalagens, são seres humanos. Me chamam de 'mãe Meire', converso com eles, muitos são dependentes químicos, falo que fico triste, que queria ver eles bem... Eles falam: então vamos tomar jeito, mãezinha".
Desde o primeiro endereço, que fica a algumas quadras de distância do atual, ela e o marido já doavam as marmitas para as pessoas em situação de rua. Meire não se lembra mais quando começou a fazer as doações, mas conta que a notícia foi se espalhando de boca em boca.
"Eles ficam do outro lado da rua esperando, começam a chegar por volta de 13h, quando termino de arrumar as marmitas, chamo eles aqui na frente. Quando digo que me preocupo com eles, eles ficam surpresos: 'é verdade que a senhora se preocupa com a gente?'. Digo que se não me preocupasse, não daria comida".
Com o frio que pegou os cuiabanos de surpresa nessa semana, com termômetros marcando até 9ºC, Meire se preocupou ainda mais com as pessoas em situação de rua. Ela conta que, mesmo em casa com a família, começou a se questionar sobre as condições em que os homens e mulheres que costuma ajudar estavam no momento.
"Se nós estamos aqui agasalhados e estamos com frio, batendo queixo... Imagina eles. A fome dói em todo mundo, né? Ainda mais nesse frio. Pelo menos a marmita pode ajudar a aguentar até encontrarem um lugar para descansar ou outro alimento".
Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, Meire aparece distribuindo as marmitas nessa terça-feira (13), quando foram doadas 30 refeições. Algumas das pessoas aparecem enroladas em cobertores por conta do frio. A repercussão da imagem impressionou Meire.
"Meu filho que veio me mostrar no celular dele. Ficamos com medo do que poderia acontecer, mas meu filho ficou super alegre. Me deu vontade de chorar com os comentários. Recebemos mensagens muito boas".
Marmitas começaram com a mãe de Meire
O Restaurante da Meire funciona no endereço atual, que já abrigou o antigo Clube de Esquina, há quatro anos, mas o negócio existe na vida de Meire há quase 28 anos. Ainda criança, ela via a mãe, que faleceu aos 80 anos, preparar dezenas de marmitas de comida caseira. Um dos clássicos da mãe de Meire eram as ovas de peixe frita.
"As ovas de peixe fritas que ela fazia eram nota 10. Fazia com os peixes típicos daqui mesmo. Nessa época nem vendiam peixe limpo, a gente ia lá no Porto comprar aqueles que vinham amarrados. Nós mesmos que limpávamos. Saía muito, o pessoal adorava".
O negócio de marmitas está na família de Meire há 47 anos, quando ela abriu o primeiro restaurante, também na avenida Marechal Deodoro, lembra que o cenário era completamente diferente do atual.
Sem prédios e com muitas casas de famílias cuiabanas, Meire começou a cozinhar como a mãe. Os doces cristalizados e compotas feitos pela mãe de Meire também eram famosos entre os cuiabanos antes dela começar a produção de marmitas.
"Comecei a entregar marmitas com a minha mãe quando ainda tinha 13 anos. Todas as firmas que foram abrindo, os prédios, nós entregamos marmita. Minha mãe precisou trabalhar muito, eu e meus irmãos fomos criados vendo ela cozinhar".
Apesar de não estar mais na cozinha do restaurante, Meire faz questão de trabalhar todos os dias em outros processos do estabelecimento. O negócio também se expandiu na família e atualmente os três filhos dela ajudam nos dia a dia do local.
"Cozinhei quase 40 anos, hoje temos uma cozinheira, que é uma pessoa maravilhosa. Hoje em dia o que mais sai é o PF de file de frango à parmegiana, mas antigamente gostavam muito do ensopadão. Sempre fizemos de tudo".
Por conta da repercussão do vídeo, muitas pessoas começaram a procurar o restaurante para doar dinheiro, mas Meire e Paulo ressaltaram que não estão aceitando as doações.