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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

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Diretora comenta filmagens de 'Ensaio': 'Não queria Floripa turística'

Responsável pelo longa "Tainá: Uma aventura na Amazônia" (2001), a diretora catarinense Tânia Lamarca está lançando o drama "Ensaio" no Festival do Rio. O filme será apresentado nos dias 2 e 4 de outubro dentro da mostra Paronama do Cinema Mundial.

Em entrevista ao G1, Lamarca falou sobre as filmagens do drama, que relata o dilema de Eva (interpretada pela atriz Lavinia Bizzotto), uma dançarina que realiza o sonho de dançar a história da heroína Anita Garibaldi. Gravado em 2010 e finalizado dois anos depois, o longa foi rodado na sua maior parte em Florianópolis, Santa Catarina, mas também teve cenas em Laguna e em Buenos Aires, na Argentina. Leia abaixo:

G1 – Quando e como surgiu a ideia de fazer esse filme?
Tânia Lamarca – Em 2000, quando voltei a morar em Florianópolis, e o "Tainá" começava a ser lançado. Foi natural pensar num filme para ser rodado aqui e me chamou a atenção o quanto a dança é uma arte apreciada no estado. O incrível grupo Cena 11 é nosso! O Festival de Dança de Joinville também. Fui pesquisando, conhecendo o universo da dança. Foi quando fiz em 2004 um documentário sobre os bastidores do festival para a RBS TV. Ao mesmo tempo, andava pensando sobre a incomunicabilidade humana, o que me levava a pensar no amor romântico, suas mazelas e delícias, seus limites, ou a ausência deles. Acho que a inserção de Anita, nossa heroína barriga verde, nesse processo, surgiu naturalmente porque eu queria fazer um filme sobre sentimentos, mas queria algo que viesse de uma mulher que soubesse ser o que deseja ser. Eu sabia que era arriscado tocar nesse mito com abordagem tão contemporânea, sem foco no contexto histórico, mas as ideias foram se conectando gentilmente.

G1 – É mais difícil gravar cenas de dança ou cenas na selva de "Tainá"? Quais dessas experiências de filmagem você imprime em "Ensaio"?
Tânia Lamarca – Nesse sentido, na selva tudo é mais difícil sem dúvida! No "Tainá", o gerador andava numa balsa pelos rios amazônicos afora, todos os dias eram metros e metros de cabos para serem esticados até o set de filmagem no meio da floresta, e quando vinha uma tempestade - às vezes duas ou três no mesmo período - era um Deus nos acuda. Tínhamos que correr, literalmente, para alguma clareira próxima para evitar a chuva de galhos que caíam sobre nossas cabeças. Era excitante, divertido, mas perigoso. Apesar de ter dirigido apenas três longas, e os três são bem diferentes um do outro, também tenho milhas em set de filmagem fazendo assistência para grandes diretores brasileiros. Creio que a gente leva as boas experiências vida afora e as vai imprimindo sem reconhecê-las.

G1 – Como funcionaram as filmagens em Santa Catarina e em Buenos Aires?
Tânia Lamarca – Rodamos em apenas cinco semanas porque os recursos tinham que ser considerados. Como sou produtora e roteirista fui, durante um ano antes, estruturando a produção e sempre de olho numa estética que fugisse de uma Floripa turística, cheia de sol. O vento sul, que é a alma do inverno catarinense me interessava desde o princípio, personagens invernais era o que eu tinha em mente. Heróis ensolarados não me atraem.
Rodamos as cenas de Buenos Aires um ano depois das filmagens principais. Daí, percebi que as cenas que eu mesma tinha escrito não iriam funcionar na estrutura que as imagens estavam nos impondo. Sofri e tive que ir duas vezes até lá para encontrar o rumo a seguir.

G1 – Gostaria que você falasse sobre o elenco. Como foi chegar a Lavinia como protagonista?
Tânia Lamarca – Chegar a ela foi um aprendizado sobre minha própria forma de trabalhar. Intuitivamente minha busca pela personagem-bailarina se sobrepunha a busca pela atriz para protagonizar o filme. No fundo, já queria que a dança fosse a própria personagem. Foram quase dois anos nessa angústia. Entre o Rio, São Paulo e Floripa - conversei com muitas boas bailarinas e boas atrizes que dançavam, mas as coisas não fluíam dentro da minha intuição. No encontro com a Lavinia vi a luz no final do túnel e tudo foi para o seu lugar. A dança dela é de tirar o fôlego e se permeia à sua entrega ao trabalho da atriz nata que é. Ela deu um erotismo às duas personagens que interpreta (Eva e Anita) que mexe com toda a gente. Considero um trabalho delicado e sincero. Tive sorte ao cruzar com ela.

G1 – Como você lida com produzir, dirigir e ser roteirista ao mesmo tempo?
Tânia Lamarca – Imagina o inferno e o céu todo o tempo, ao mesmo tempo. Quando você "está" produtora, manda e desmanda, sem perder o olho do orçamento, como diretora você quer ser genial, mas só pode sê-lo se cumprir o plano de filmagem de fato, como roteirista você sabe que pode estar quebrando a cara, mas não pode ignorar as dificuldades das duas outras senão as três irão para o brejo. Trabalhoso, prazeroso por horas, mas sem nenhum glamour. A maioria dos nossos cineastas, se pudesse, não seria produtor de si mesmo. No meu primeiro longa, "Buena Sorte" (1997), fui coprodutora e por isso nem senti tanto a carga da responsabilidade dessa função, depois fiz o "Tainá" como diretora somente. Tenho saudades disso, eu acordava e dormia sempre diretora.

G1 – Quais filmes sobre dança te inspiram?
Tânia Lamarca – Nenhum me inspirou especificamente, ou, todos me inspiraram, vai saber? Até porque sempre fui fã de filmes musicais, paixão antiga de infância. Depois que a ideia do enredo se concretizou, pesquisei tudo que pude sobre dança, incluindo filmes. Posso citar dois filmes inesquecíveis, um de 1948 e outro de 2003: "Sapatinho vermelho" (Michel Powel); "A última dança" (Lisa Niemi). Mas foi Carlos Saura que me arrebatou nessa fase. A estética, a narrativa, do "Tango", do "Salomé", "Ibéria" são impactantes. Não poderia deixar de fazer algumas umas homenagens, claro. Também homenageamos sutilmente a Pina Bausch. Quem conhece o universo da dança, vai reconhecer essas coisas.
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