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plot twist

O homem do lobo: a desconstrução do bandido pela satirização do drama

21 Jan 2014 - 09:52

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Desde os primórdios do cinema os bandidos e suas esquemáticas para driblar a lei sempre atraíram a atenção daqueles obrigados a seguir as normas à risca e manter-se na linha perante os padrões sociais. Se em 1903 bandidos já haviam ganho o papel principal em “O Grande roubo do trem” de Edwin S. Porter, foi em 1915 com “Os Vampiros” de Louis Feuillade que suas estratagemas e peripécias moldaram o gênero que ganharia destaque nas premiações de 2014: os filmes de bandidos ou filmes de golpe. Narrando as histórias de um grupo de bandidos franceses intitulados “Os vampiros” e suas artimanhas para fugir do investigador que os caça, o filme foi um dos primeiros sucessos em série – a obra era composta de quinze partes de 30 minutos e foi transmitida em série nos cinemas.

    
(O Grande roubo de trem 1903, Os Vampiros 1915, G Men contra o império do crime 1935)

Originado das obras descritas acima, o gênero foi amplamente trabalhado nos anos seguintes ao incorporar-se aos filmes de gângster nos anos 30 e incluir aos já comuns filmes de assalto um glamour proveniente das hierárquicas máfias organizadoras dos crimes. Calcados sempre na proposta de mostrar também os contras da vida bandida, os filmes desta época acabavam de maneira trágica ou fatalista, indicando que um fim promissor não era esperado neste estilo de vida e até mesmo a CIA aproveitara-se do gênero para fazer propaganda em prol de seus agentes nos anos que se seguiram. Foi só nos anos 60 que seus personagens passaram de fato a terem seu público torcendo por eles, ainda que seus finais não fossem tão promissores.

Bonnie & Clyde” de Arthur Penn, com seu casal carismático de ladrões de banco, “Um Golpe à Italiana” de Peter Collinson, com um ladrão de carros à La James Bond, mulherengo e bem vestido, “Onze Homens e um Segredo”, que contava com Frank Sinatra e outros grandes nomes que contribuíram para derrubar o velho código de produções de filmes pudico e limitado e manter o sucesso do gênero crescente até hoje, inspirando remakes e obras que seguem os mesmos moldes para envolver o drama da criminalidade numa nuvem cômica e despojada que atraí o espectador para a beleza do projetar a estratégia e pela graciosidade do plano que pode ou não dar certo, mantendo o mesmo acompanhando cada passo da jornada de ascensão e declínio de seus protagonistas.

      
(Onze homens e um segredo 1960, Um golpe à italiana 1969, Golpe de Mestre 1973)

De declínio e ascensão também fala “O Lobo de Wall Street” de Martin Scorsese, filme que concorre a cinco indicações no Oscar® além de outras 49 indicações a premiações pelo mundo. Comentado no mundo todo por sua história polêmica em seus excessos ao explicitar cenas de sexo e uso compulsivo de drogas com tom cômico, o 23º filme de Scorsese é antes de tudo a desconstrução deste malandro, deste bandido-herói do gênero que cativa e diverte o público desde 1915. Habituado a processos de declínio e ascensão, o diretor faz uso do tom cômico do gênero para contar a história de Jordan Belfort, jovem corretor de títulos de Nova York que fundou a Stratton Oakmond, empresa acusada de praticar fraudes de seguro e corrupção nos anos 90, e que manteve durante todo seu sucesso uma relação intensa com as drogas.

História que já havia inspirado outros filmes sobre Wall Street como as obras de Oliver Stone ou até mesmo o obscuro “O primeiro Milhão” de 2003, a vida de Jordan Belfort tinha tudo para ser um conto sobre ganância e autodestruição dramático sobre um homem que cavou seu próprio buraco, mas Scorsese, DiCaprio e o próprio Belfort – a narrativa que amarra todo o filme inspira-se no livro homônimo publicado por ele após sair da cadeia em 2007 – trazem à trama outro tom. Extremamente carismático e inteligente, e muito bom orador, Jordan Belfort é o verdadeiro lobo em pele de cordeiro, e faz uso da especulação e da vontade do cidadão comum de enriquecer facilmente para manter seu status quo. “Desde que me recordo, eu sempre quis ser rico” afirma o personagem no começo do filme. Com sua presença hipnótica e seu discurso extremamente convincente, DiCaprio veste as vezes de lobo e arrebanha todos os cordeiros para si, sua atuação é tão inebriante e convincente que incomoda, e este é o ponto ao qual Scorsese quer chegar.

  

Criando o personagem de aparentemente perfeito, e desconstruindo essa aparência minuto a minuto exibindo seu lado viciado e supérfluo, o roteiro e a montagem humanizam este lobo, sem glorificar ou demonizar seus feitos, mostrando a fragilidade de alguém cego pelas próprias ânsias. Sempre mantendo o tom cômico do gênero até nas sequências mais pesadas, Scorsese evoca o absurdo destas situações inimagináveis, porém inteiramente reais na vida de excessos de Belfort. Com a narrativa contínua que nos coloca sempre no ponto de vista do protagonista das situações, somos ludibriados com seu discurso a julgar menos e apreciar mais aquilo que vemos. Num filme sobre as esquemáticas da bolsa de valores e seus esquemas fraudulentos, somos aconselhados sempre pelo protagonista: “Esqueça os pormenores, o importante é que está sendo feito muito dinheiro” e aproveitar o show.

  

Além de uma simples crítica à insanidade do sistema financeiro e um retrato preciso dos anos de triunfo do sistema capitalista americano, e à ganância que rege seus envolvidos, o filme critica também a ganância e o lobo dentro de todos nós, e mostra de forma jocosa como a pele de lobo e a de cordeiro não são tão distintas assim. “Trapaça” de David O. Russel apesar de ser uma grande adição ao gênero fazendo jus aos grandes sucessos do passado, não apresenta um estudo tão reflexivo sobre a urgência em nos aperfeiçoarmos a todo instante, externa ou internamente, e a destruição proveniente desta busca. Melhor obra de Scorsese nos últimos 15 anos, “O Lobo de Wall Street” tem a excelência dos dramas, a leveza das comédias e o poder de um épico. A nós, resta a dúvida sobre qual pele vestir no fim da sessão.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.

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