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NINFOMANÍACA PARTE II: Pedofilia, Sadomasoquismo e a conclusão do “Manual do Pecado” de Lars Von Trier

18 Mar 2014 - 11:31

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

NINFOMANÍACA PARTE II: Pedofilia, Sadomasoquismo e a conclusão do “Manual do Pecado” de Lars Von Trier
O cinema antes de tudo é uma via comunicativa. Unindo diversas artes, transmite conceitos expressos nas simbologias empregadas em cena, com o intuito de instigar qualquer estímulo que seja intelectual ou físico. Das montagens emocionantes de Dziga Vertov em “Um homem com uma câmera” de 1929 e Sergei Eisenstein com o devastador “O Encouraçado Potemkin” de 1925 , às trilhas sonoras de Jhon Williams eternizadas na história junto aos trabalhos de Steven Spielberg, os elementos presentes em cena chocam, emocionam, entretém e nos colocam a Refletir. Lars Von Trier, diretor dinamarquês conhecido por sua filmografia obtusa e polêmica, parece empenhado em instigar sua plateia ao máximo.

Leia também: Ninfomaníaca: A utilização do sexo como mero atrativo comercial e a desconstrução da sexualidade da mulher


                 (“O Homem com uma Câmera – 1929” “Encouraçado Potemkin – 1925” “Festa de Família – 1998”)

Fundador do Dogma 95, movimento cinematográfico que visa um cinema mais técnico e realista em sua composição, abrindo mão de diversas técnicas cinematográficas para a composição de seus trabalhos -, ficou conhecido por seus filmes crus e extremamente preocupados com a reflexão em suas tramas. Inaugurado com os complexos, porém de baixo custo “Festa de Família” de Thomas Vintenberg e “Os idiotas” de Von Trier, premiados e mundialmente aceitos, o movimento Dogma 95 garantiu ao Diretor – que já havia mostrado sua competência inclusive à Academia que indicou seu “Ondas do Destino” por “Melhor Atriz” graças a seu trabalho com Emily Watson, além de lhe garantir 43 outros prêmios, - um prestígio e fama que lhe facilitaram as produções de seus futuros longas.

Dançando no Escuro” seu musical dramático e cruel sobre lados obscuros da humanidade; “Dogville” & “Manderlay” e sua saga sem cenários, sem trilha sonora e seu estudo sobre a condição humana, marcaram o diretor por tramas difíceis recheadas de críticas ácidas à humanidade e seus padrões. Seus mais recentes trabalhos, “Anticristo” e “Melancholia” tentam ir além e sua busca pessoal por respostas na angústia individual. Suas protagonistas, sempre presas em situações que lhe escapam de seu controle, tendem a ver o mundo de uma maneira apática e abraçam o sofrimento que acreditam ser interentes à suas existências.

       
                    (“Dançando no Escuro – 2000” “Dogville – 2003”, “Manderlay – 2005”, “Anticristo – 2009”)

Se em sua primeira parte, Ninfomaníaca já apresentava as características de seus trabalhos anteriores na construção de sua protagonista culpada por ser mulher, sua segunda vai além e desconstrói a mulher em busca da essência da culpa. O filme que deve ser visto como um só, da maneira que foi concebido e não como duas sequências, reserva para sua segunda parte o melhor de sua reflexão exatamente por conter em sua primeira parte todos os elementos que nos auxiliam a pontuar a atmosfera. Já acostumados à montagem o sexo e o texto interminável na tela, captamos melhor as críticas construídas através do longa.

Continuando exatamente de onde terminara seu prelúdio, “Ninfomaníaca – Parte II” segue a narrativa de Joe à Seligman, homem que a acolhera das ruas, e que agora toma às vezes não só de interprete do sexo para à cultura, mas também como agente motriz da narrativa de Joe. Seu conhecimento sobre religião e literatura, testados pela personagem o tempo todo, exigem que ele continue fazendo as reflexões que movem a trama, enquanto Charlotte Gainsbourg faz às vezes de Joe, lapidando a personagem construída na primeira sequência.

Joe, seu nome masculino e vazio sem sobrenome, já caracteriza uma tendência masculina às atividades da personagem, que só se intensificam com a beleza dura da atriz e seus traços fortes e poucas curvas, ou nos maneirismos poucos delicados e masculinos que emprega. Na trama, ao reencontrar-se com seu primeiro amor, Jerome, Joe perde sua sensibilidade e deixa de sentir prazer ao engravidar. Ao tornar-se mulher, o prazer é arrancado de si e a personagem, sustentada por seus instintos sexuais perde-se em desespero. Na depressão, negligencia o filho e se culpa por falhar como mãe. De volta à culpa da mãe apresentada em “Anticristo”, Trier volta a extrair a angústia de sua representação sexual, e não afetiva como em “Melancholia”. Culpada, Joe busca a violência.

          

Trabalhando as perversões sexuais no mesmo âmbito das angústias e confrontos internos individuais, Trier exorciza seus argumentos de certos julgamentos, e coloca mais uma vez o espectador a refletir sobre seus conceitos. Equiparando sua perversão a pedofilia em uma das sequências mais controversas da trama, Trier levanta questões quanto ao sexo que nos faz refletir sobre os desejos e como a sociedade lida com eles.

Suas cenas de sexo, as tais prometidas no trailer que concluía a primeira sequência, estão presentes, mas em muito menor quantidade que o esperado pelo público e vendido pelo diretor. Trier, que desistiu de seu corte final de cinco horas e meia, não perde nada em sua narrativa ao eliminar o sexo excessivo que poderia prejudicar sua trama. É claro que os membros estão lá, mas muito menos atraentes quando envoltos numa atmosfera de sofrimento e penitência. Ainda dividido em capítulos, com comentários de Seligman como notas do tradutor, e a narrativa de Joe tornando “Ninfomaníaca” um enorme manual sobre a corrupção do prazer da mulher, o filme de Trier é competente em sua estrutura, e entrega em sua segunda parte cenas complexas e visualmente estonteantes, garantindo à obra uma qualidade e um peso que lhe faltavam.

          

Em sua conclusão, Lars Von Trier revela os verdadeiros propósitos de sua narrativa em um diálogo entre Seligman e Joe que desdobram a verdadeira intenção por trás da Jornada, mas que merecia mais tempo em tela. Totalmente livre dos conceitos que a fazem mulher, Joe ascende como um símbolo ainda não decifrado. Utilizando-se da simbologia do falo e da arma, como instrumento de poder e dominância, o diretor entrega a busca de uma mulher por seu instrumento de independência, aquilo que ira livrá-la da culpa e da angústia que carrega na sociedade em que vive que para o diretor está comprometida pela religião e pela hipocrisia.

No fim, Joe ascende como o que para Trier deveria ser o símbolo de nova mulher, mas sua visão unilateral e violenta, pode não responder todas as questões levantadas pela trama. No fim das contas, “Ninfomaníaca” é um ótimo filme como um todo, mas ambas as partes parecem carecer de algo. Preocupado em agradar suas especificidades técnicas que lhe conquistaram prestígio, as tramas reflexivas que lhe atraíram fãs e satisfazer o próprio ego, Lars Von Trier parece satisfazer-se com sua personagem mais do que com sua reflexão, e o orgasmo final pertence apenas a ele e a Joe, e na sala de cinemas ouvimos o filme fugir enquanto a tela escurece.


*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.
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