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Até o fim: O homem incomunicável na era da comunicação e o cinema de tramas simples

08 Abr 2014 - 15:15

Especial para o Olhar Conceito - Thales de Mendonça

Foto: Reprodução

Até o fim: O homem incomunicável na era da comunicação e o cinema de tramas simples
Poucas linhas de diálogo, dois cenários, um ator. “Até o fim”, mais recente obra de J.C Chandor, trás consigo a excelência de um clássico instantâneo com um roteiro simples e uma trama aparentemente nada complexa. Indo no sentido contrário dos filmes com tramas truncadas e universos multifacetados, trabalhos com tramas simples volta e meia despontam no cinema. Com menos falas e detalhes a serem explicados, o filme tem mais tempo para investir em suas mensagens visuais e na construção de sua atmosfera.

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Obrigando o espectador a atentar-se a camadas mais profundas de interpretação, filmes que aparentam ter tramas simples carregam consigo simbolismos e elementos que evocam múltiplos pontos de vista devido à sua abrangência. Não só de sequências complexas são feitos os grandes clássicos, muitos dos filmes popularizados entre o grande público conquistaram seu espaço devido à simplicidade de suas tramas e a facilidade do público em relacionar-se com seus elementos.


(“A bruxa de Blair – 1998” “Alien – 1979” “A Morte do Demônio – 1981” “Gravidade -2013”)

Do sucesso instantâneo “Bruxa de Blair”, que apostava no caráter semi documental de sua estrutura para criar uma atmosfera densa na história simples de três jovens que investigam uma lenda local norte americana, e que influenciou toda uma série de filmes em sua geração, a clássicos como “Alien” de Ridley Scott, “Halloween” de Jhon Carpenter e “A Morte do Demônio” de Sam Raimi que inauguraram todo um gênero em suas respectivas características, as múltiplas mensagens transmitidas por esses filmes facilitam sua interpretação junto ao grande público.

J. C. Chandor, diretor conhecido por seu sóbrio retrato da crise econômica de 2008 em seu primeiro longa metragem, “Margin Call: O dia antes do fim” , evita os excessos de diálogo e o grande elenco de seu primeiro trabalho,que se faziam necessários numa trama que precisava explicar a crise enquanto cria a atmosfera para o drama do longa, “Até o Fim” seu mais recente trabalho ,sustenta-se sobre três linhas de diálogo, dois “cenários” – se o podemos considerar o mar e um barco e seu bote como tal, e o trabalho magnífico de atuação de Robert Redford.



Acompanhando a trajetória de um homem à deriva no mar aberto após ter o casco de seu barco danificado com um container largado no mar, a câmera limita-se apenas a documentar a passagem dos dias, e Chandor opta novamente para a visão sóbria sem tomar posições para expressar sua ótica. Redford, que trás ao personagem toda sua competência e semblante de um homem vivido, despeja em seu personagem diversas camadas em expressões e movimentos silenciosos e precisos, despejando informação para o espectador segundo a segundo, sem esboçar nenhuma palavra.

A falta de diálogos é justificada. Ao ter seu casco danificado, a primeira coisa que se molha é o rádio. Quando suas comunicações com o mundo externo já estão cortadas, qual a necessidade de continuar falando? Sozinho, o marinheiro solitário de Chandor não apela para os céus ou para conversas vazias consigo mesmo, tão comuns em filmes de sobrevivência, que veem nesses diálogos a oportunidade de explicar a complexidade de suas tramas. Ao eliminar o artifício da fala e fazer pouco uso de trilha sonora, Chandor estende o sentimento de solidão e isolamento para fora das telas e dá mais tempo à suas devastadoras imagens ficarem grafadas na mente.



Das inúmeras interpretações do filme, começando por seu nome original All is Lost (Tudo está Perdido), as simbologias que surgem durante o decorrer da história, até o seu desfecho aterrador, a mais clara é sobre a falta de comunicação na sociedade atual. Sem rádio no mar, o personagem de Redford está tão à deriva quanto a Dra. Ryan de “Gravidade”, outra obra de trama simples e grandes interpretações lançada no último ano. Rodeado de aparatos e acessórios de última geração, toda funcionalidade sucumbe diante da impossibilidade da comunicação. Alheio ao mundo que o cerca, é também ignorado por este mesmo mundo que desconhece sua situação.

Longe dos conceitos de família, civilização ou qualquer outra convenção social, aos poucos o homem desprende-se das amarras de seu raciocínio e inicia sua jornada silenciosa em busca de uma nova maneira de dialogar com o novo mundo. Vencedor de prêmios de melhor ator e melhor edição de som, “Até o fim” é enigmático até em sua conclusão, mas é envolvente e aterrador durante toda sua duração, demonstrando o peso que grandes histórias têm sem a necessidade de grandes tramas.



Comumente reduzidos a filmes simplistas por suas sutis estruturas, filmes como “Até o Fim” podem perder-se em meio ao falatório desinformado da nova geração. No mar de filmes que surge todos os dias, “Até o fim” vaga num bote a acenar-nos a mão em silêncio, pedindo-nos um tempo. Um farol aceso por todas as tramas simples que também merecem o cinema, e a nossa atenção.

*Thales de Mendonça tem 22 anos, estudante de Cinema e Filosofia, trabalha com edição e criação de roteiros em São Paulo. Viciado na sétima arte, não fala de outra coisa senão filmes e seus desdobramentos na sociedade. Chato de carteirinha ama cinema asiático, filmes com banho de sangue e dramalhões pra chorar aos domingos.
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